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domingo, maio 23, 2010

Histórias das Copas: 1938 na França

Campo de batalha
A Copa do Mundo da França, que terminaria com o bi da Itália, foi permeada de ideologia e tensão



Resumo da Copa
Campeão: Itália Vice: Hungria 3º lugar: Brasil 4º lugar: Suécia Os artilheiros
Leônidas (BRA) 7 gols
Zsengeller (HUN) 6 gols
Sarosi (HUN) 5 gols
Piola (ITA) 5 gols
Wilimowski (POL) 4 gols
Países participantes (15)
Alemanha Ocidental , Áustria, Bélgica, BRASIL, Cuba, França, Holanda, Índias Orientais Holandesas, Itália, Noruega, Polônia, Romênia, Suécia, Suíça e Tchecoslováquia
Sedes
Paris, Bordeaux, Marselha, Toulouse, Antibes, Le Havre, Lille, Reims e Estrasburgo
Público total: 483.000 Jogos: 18 Gols: 84 Média de gols: 4,66

A Copa
Um espectro rondava a Europa, e já não era mais o do comunismo. Era como se, dentro do continente, o ar fosse mais comprimido, ou cada movimento, mais lento. Ou qualquer outra metáfora que exprima o clima de céu cinco minutos antes da tempestade que o mundo vivia em 1938. Era iminente e inevitável que a Europa – que naquela época ainda era o centro do mundo – entrasse em guerra. A Copa do Mundo da França foi um bate-bola de despedida, devidamente permeado de ideologia e tensão.

A última grande competição antes da Segunda Guerra Mundial já foi obrigada a levar na esportiva alguns fatos políticos diretamente relacionados com o conflito que começaria dali a pouco mais de um ano. O número de participantes, por exemplo, caiu de 16 para 15 porque um dos países classificados simplesmente deixou de existir: a Áustria, anexada pela Alemanha nazista três meses antes do Mundial. A Espanha, já vivendo sob guerra civil, nem jogou as Eliminatórias. Os italianos politizaram de vez nas quartas-de-final, quando disputaram a partida contra a anfitriã França vestidos todos de preto-fascista. O ambiente já se mostrava impróprio para que um torneio internacional de futebol fosse apenas isso: um torneio de futebol.

Classificada sem precisar disputar Eliminatórias por defender o título – algo que aconteceu pela primeira vez -, a Itália mostrou mais do que firmeza ideológica. Era também a campeã olímpica de Berlim-1936 e, com a base desses dois títulos e o mesmo técnico, Vittorio Pozzo, mostrou um rigor tático ainda mais avançado do que aquele que havia surpreendido o mundo quatro anos antes. A Azzurra batizou para sempre o futebol pragmático e cauteloso de futebol “de resultados” – porque esses eram incontestáveis.
Como em 1934, a Copa foi jogada em sistema eliminatório simples. Foi a última vez que um Mundial não teve uma primeira fase dividida em grupos. Giuseppe Meazza, Gino Colaussi e principalmente o artilheiro Silvio Piola comandaram um time autenticamente italiano, que já estreou com vitória suada, na prorrogação, sobre a Noruega por 2 x 1 e que até o final só teria confrontos complicados. Mas que, italianamente, ganharia todos eles e se tornaria o primeiro time a conquistar duas Copas seguidas – coisa que até hoje só foi repetida mais uma vez, pelo Brasil de 1958/62.

Foi a última vez que o mundo conseguiu se juntar para se importar verdadeiramente com futebol. Durante os anos seguintes, haveria questões muito mais importantes para discutir; razões muito mais importantes para se bombardear.

Curiosidades
- Mi casa, su casa
Quando a FIFA anunciou, durante a Olimpíada de 1936, que a Copa seria na França, argentinos e uruguaios reagiram indignados. Eles acreditavam numa rotação entre Europa e América do Sul, e não aceitaram dois torneios seguidos disputados em países europeus. Como represália, desistiram de disputar até mesmo as Eliminatórias Sul-Americanas (o que, por sinal, facilitou bastante a vida do Brasil).

- Geografia, módulo I
A lista de 15 países participantes inclui um nome intrigante para quem não viveu a primeira metade do século 20: as Índias Orientais Holandesas. Foi sob esse nome com resquícios de Grandes Navegações que o território da atual Indonésia existiu entre 1800 e 1942 – quando foi anexado pelo Japão. A aventura na Copa durou só o tempo de sofrer uma goleada de 6 x 0 para a Hungria.

- Ferrolho suíço
O austríaco Karl Rappan gerou polêmica ao transformar o abusado esquema 2-3-5 que era popular naquela época por uma formação mais propícia à seleção suíça que comandava. Com jogadores bem preparados fisicamente, mas meio grossos, ele deu mais atenção à defesa e estabeleceu algo até então inédito: com exceção de dois laterais, que marcavam os pontas adversários, o resto da equipe defendia por zona. Quando os suíços atacavam, o sistema era mais ou menos um 3-3-4, mas a ideia fundamental era que, sem a posse de bola, todos adotassem alguma função defensiva. O termo “ferrolho” virou sinônimo simplesmente de retranca, mas na verdade teve seu quê de visionário para aquilo que se tornaria o futebol nas décadas seguintes.

- Lost in translation
Muito provavelmente é só folclore, mas merecia ser verdade. No dia da final entre Itália e Hungria, Benito Mussolini enviou um telegrama aos jogadores italianos que comunicava, com a objetividade que é peculiar aos ditadores: “Vincere o morire”, quer dizer, “Vencer ou morrer”. A história de alguma maneira teria chegado até o goleiro húngaro Antal Szabó, que por sua vez teria levado o recado ao pé da letra. Após a derrota por 4 x 2, Szabó teria enchido o peito para assumir que “deixei passar quatro gols, mas pelo menos salvei a vida de 11 homens”. Só que tudo não passava de um pouco de retórica bélica do Duce para dizer um “vamos que vamos” para sua squadra.

- Caixa forte
Em tempos de guerra, não era bom negócio contar com a estrutura da Federação Italiana para proteger a taça Jules Rimet. Nunca se sabia quem poderia anexar ou invadir quem e acabar levando o troféu como espólio. Para evitar que a taça dos campeões do mundo de 1938 fosse parar em mãos erradas, o italiano Ottorino Barassi, um dos vice-presidentes da FIFA, decidiu ele próprio se ocupar da proteção ao patrimônio: escondeu a Jules Rimet numa caixa de sapato embaixo de sua cama, onde a taça passou a Segunda Guerra Mundial inteira esperando a poeira baixar.

- Pé na lama
Aquele 6 x 5 sobre a Polônia na estreia brasileira foi histórico também devido a um lance peculiar. A chuteira de Leônidas da Silva estourou e, justo enquanto era consertada, nosso craque se viu no meio da área, livre diante da bola rebatida após uma cobrança de falta de Hércules. Ele não precisou pensar duas vezes: de pé descalço marcou um de seus três gols naquela noite. Já naquele tempo a regra proibia que alguém jogasse sem seu equipamento completo, mas dizem que, com a chuva incessante que caía Estrasburgo e o campo cheio de barro, o pé de Leônidas estava tão marrom que o árbitro sueco Ivan Eklind nem percebeu a diferença.

- Errata
Ninguém mandou os dirigentes da seleção alemã ficarem tão ansiosos para agradar Adolf Hitler. Na estreia contra a Suíça, após um primeiro tempo em que a equipe abriu 2 x 1 no placar, um dos membros da delegação enviou um telegrama orgulhoso ao gabinete do Führer relatando a façanha. O que foi censurado pela História foi o outro telegrama que o pessoal deve ter mandado ao final do jogo, depois que os suíços marcaram três gols no segundo tempo e mandaram a Alemanha de volta para casa com uma derrota por 4 x 2.

- Independência ou morte?
Um dos maiores heróis daquela Copa, ou pelo menos aquele que mais representa o momento que o mundo vivia em 1938, sequer entrou em campo. Mathias Sindelar, o craque do Wunderteam austríaco na Copa de 1934, foi um dos cinco jogadores nascidos na Áustria chamados para defender a Alemanha no Mundial, depois que as tropas de Hitler anexaram os vizinhos. Alegando lesões e o cansaço de seus 31 anos, o judeu Sindelar não aceitou defender a equipe alemã – apesar de até uns meses antes ainda estar jogando pela Áustria. Aliás, foi pouco antes da Copa, num amistoso entre Alemanha e Áustria – uma patética “despedida” da seleção austríaca recém-anexada – que Sindelar deu seu recado velado: num confronto arranjado para terminar com empate, ele foi para cima da defesa alemã no segundo tempo e marcou o gol que abriu o placar. Comemorou efusivamente bem na cara dos oficiais nazistas e, segundo alguns, começou a assinar sua sentença de morte. No início de 1939, o “Homem de Papel” foi encontrado morto em seu apartamento em Viena junto com sua namorada. O veredicto oficial foi de acidente, asfixia por monóxido de carbono. Alguns falam em assassinato. Outros, em suicídio diante do desgosto de ver o que se seguiria nos meses seguintes.

E o Brasil?
Se a historiografia pedisse uma data exata do dia em que o mundo descobriu o futebol brasileiro, esse dia poderia bem ser 5 de junho de 1938. Na vitória de estreia por 6 x 5 sobre a Polônia, pela primeira vez numa Copa do Mundo o Brasil foi Brasil. E o melhor: assim continuaria sendo durante todo o Mundial – para não dizer durante toda a história.

O time dirigido por Ademar Pimenta jogou o futebol mais vistoso do torneio, teve em Leônidas da Silva o artilheiro e brigou de verdade pelo título, algo que passaria a fazer em quase todas as edições da Copa do Mundo.

O sucesso se explica, essencialmente, por aquilo que aconteceu antes da viagem até a França. Daquela vez não houve disputa de cariocas x paulistas, profissionais x amadores ou apolíneos x dionisíacos. A Seleção Brasileira conseguiu enfim ser o que deveria: de fato uma seleção dos melhores jogadores do País e ponto.

Além de entrar para a história pelo sensacional 6 x 5 que foi, a estreia contra a Polônia foi também a primeira partida da Seleção vestindo camisa azul. Isso porque os poloneses, como os brasileiros, usavam branco. Foi preciso, então, improvisar e jogar com as camisas de treino – que eram azuis.

“Branca” e “azul”, aliás, eram as duas seleções brasileiras montadas pelo técnico Ademar Pimenta, um estrategista no mínimo inventivo. Pimenta adotava a equipe branca para os dias em que a ideia era tocar a bola e atacar. A formação azul pedia mais marcação e força.

Um exemplo evidente da estratégia do treinador foi a disputa de quartas-de-final contra a Tchecoslováquia. Na verdade, as disputas. Primeiro o Brasil empatou em 1 x 1, numa partida selvagem, cujo saldo foi de consideráveis três expulsões e dois membros quebrados: o braço do goleiro tcheco Planika e a perna do atacante Nejedly (artlheiro da Copa de 1934). Após 120 minutos de carnificina, o placar continuou igualado, e foi preciso marcar uma segunda partida dois dias depois, para definir o semifinalista. Com nove alterações – só o goleiro Valter e o artilheiro Leônidas permaneceram na equipe -, os brasileiros marcaram 2 x 1.

Leônidas não disputou, porém, a semifinal diante da Itália. Lesionado, o atacante assistiu a uma batalha decidida por um controverso pênalti marcado contra o Brasil quando Domingos da Guia se engalfinhou com Silvio Piola num lance distante da disputa da bola. Houve choro e tapetão, mas não teve jeito: ao Brasil restou esperar pelo retorno de Leônidas, que marcou mais dois contra a Suécia e terminou como artilheiro da Copa. O Brasil, como 3º colocado. Para quem nunca tinha feito rigorosamente nada, era um tremendo primeiro passo.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
05/06/1938 BRASIL 6 X 5 Polônia (BRA: Leônidas 18"/1º, 3" e 14"/1º da prorrogação, Romeu 25"/1º e Perácio 44"/1º e 26"/2º; POL: Szferke 23"/1º, Wilimowski 8", 14", 44"/2º e 13"/2º da prorrogação) - Estrasburgo

Quartas-de-final
12/06/1938 BRASIL 1 X 1 Tchecoslováquia (BRA: Leônidas 30"/1º; TCH: Nejedly 20"/2º) - Bordeaux
14/06/1938 BRASIL 2 X 1 Tchecoslováquia (BRA: Leônidas 12"/2º e Roberto 18"/2º; TCH: Kopecky 25"/1º) - Bordeaux

Semifinal
16/06/1938 BRASIL 1 X 2 Itália (BRA: Romeu 42"/2º; ITÁ: Colaussi 6"/2º e Meazza 15"/2º) - Marselha

Disputa de 3º lugar
19/06/1938 BRASIL 4 X 2 Suécia (BRA: Romeu 44"/1º, Leônidas 18" e 29"/2º,
Perácio 35"/2º; SUÉ: Johansson 28"/1º, Nyberg 38"/1º) - Bordeaux

A Final
19/06/1938 Itália 4 X 2 Hungria (ITÁ: Colaussi 6" e 35"/1º, Piola 16"/1º e 37"/2º; HUN: Sarosi 25"/2º, Titkos 8"/1º) - Paris

Itália
Olivieri, Andreolo, Piola, Meazza, Serantoni, Foni, Biavati, Locatelli, Ferrari, Colaussi e Rava. Técnico: Vittorio Pozzo
Hungria
Szabo, Szucs, Zsengeller, Sas, Szalay, Polgar, Titkos, Sarosi, Biro, Vincze e Lazar.
Técnico: Alfred Schaffer

Fonte: IG

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