O destino era alemão
A Hungria entrou no torneio para receber a coroa, que acabaria na cabeça dos alemães
Resumo da Copa
Campeão: Alemanha Oc. Vice: Hungria 3º lugar: Áustria 4º lugar: Uruguai
Os artilheiros
Kocsis (HUN) 11 gols
Hügi (SUI) 6 gols
Morlock (GER) 6 gols
Probst (AUT) 6 gols
Puskas (HUN) 4 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Áustria, Bélgica, BRASIL, Coreia do Sul, Escócia, França, Hungria, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Suíça, Tchecoslováquia, Turquia e Uruguai
Sedes
Basileia, Berna, Lausanne, Zurique, Genebra e Lugano
Público total: 943.000 Jogos: 26 Gols: 140 Média de gols: 5,38
A Copa
O atacante inglês Gary Lineker, artilheiro da Copa do Mundo de 1986, certa vez definiu o futebol como ”um jogo em que 22 caras correm atrás de uma bola, um juiz comete um monte de erros e no final a Alemanha sempre ganha”. A frase foi dita muitíssimo depois do verão de 1954, mas foi já ali, na Suíça, que ela começou a fazer sentido.
A quinta edição da Copa do Mundo serviu para comemorar o cinquentenário da FIFA e, por isso, foi levada ao pais-sede da entidade, a Suíça. Mais que um torneio, era quase um ato de coroação daquele que era, de longe, muito longe, o melhor time do planeta na época, a Hungria. Não havia atrativo naquele Mundial que se comparasse à magia de Hidegkuti, Czibor, Kocsis e, acima de tudo, Ferenc Puskas.
É dos magiares, aliás, boa parte da culpa por aquela ter sido a Copa com a maior media de gols da história, com 5,38 gols por jogo. Vejamos a campanha: 9 x 0 contra a Turquia, 8 x 3 sobre a Alemanha Ocidental, 4 x 2 no Brasil nas quartas-de-final e outro 4 x 2 contra o então campeão Uruguai, na semifinal. Os húngaros chegaram à decisão do dia 4 de julho de 1954, em Berna, como mais do que favoritos. Campeões olímpicos em Helsinque-1952 (numa época em que o futebol olímpico ainda rivalizava em importância com a Copa), os húngaros estavam invictos há 31 partidas, acabavam de derrotar os dois finalistas do Mundial anterior e duas semanas antes haviam arrasado a mesmíssima Alemanha Ocidental por 8 x 3. Era questão de entrar em campo, sacramentar o que todos já sabiam e sair coroada como melhor seleção do mundo.
Só que, por alguma dessas razões ontológicas, metafísicas ou de seleção natural, o destino decidiu, aparentemente de forma irrevogável, que no mundo do futebol a Alemanha estava fadada a ser a Alemanha, e a Hungria, coitada, apenas a Hungria.
Aquela final de Copa do Mundo determinou isso. Trilhou o caminho de dois países para sempre. Os húngaros ainda tentaram prosaicamente combater o destino ao abrir 2 x 0 com oito minutos de jogo, mas não adiantava. Poderiam ter aberto sete ou oito que não adiantaria: estava escrito. Que o diga a chuva que caía sobre Berna – aquilo que até hoje na Alemanha é chamado de Fritz-Walter-Wetter, “tempo de Fritz Walter”, a condição climática em que o capitão alemão melhor rendia. Sob muita chuva, gramado encharcado, Puskas lesionado e provavelmente um pouco de conspiração intergaláctica, a Alemanha Ocidental de algum jeito empatou o jogo ainda no primeiro tempo e, a seis minutos do final, anotou o terceiro gol, o da virada, com Helmut Rahn.
Aconteceu aquela que, com a devida cobertura televisiva, provavelmente seria lembrada de forma unânime como a final de Copa mais emocionante da história. Pouco importa o que aconteceu até aquele dia. O Mundial de 1954 vale mesmo por aquele 4 de julho: o “Milagre de Berna”.
Curiosidades
- Inverso do quadrado
O regulamento daquela Copa do Mundo era de fazer organizador do Campeonato Pernambucano se coçar de inveja. Vejamos: os 16 times foram divididos em quatro grupos. Cada grupo tinha dois dos oito cabeças-de-chave. Acontece que esses países foram escolhidos antes mesmo das Eliminatórias e um dos supostos favorecidos – a Espanha - sequer se classificou e precisou ser trocado pela Turquia. Por razões inexplicáveis, os times não jogavam todos contra todos dentro dos grupos: havia apenas cruzamentos que envolvessem um time cabeça-de-chave contra um que não era. Assim, cada equipe jogava apenas duas vezes, a não ser que houvesse empate em número de pontos (como houve entre Suíça e Itália ou Alemanha e Turquia – apesar de terem tido adversários diferentes). Para complicar, o saldo de gols não valia nada e todo jogo empatado apos 90 minutos ia para a prorrogação. Só depois de jogar mais 30 minutos é que o empate virava empate mesmo. Afe!
- De cinema
A vitória na Suíça significou muito para o moral da Alemanha – um país detestado mundo afora apos as duas Guerras Mundiais. Uma das imagens clássicas que retrataram o impacto daquele titulo para a autoconfiança alemã está em “O Casamento de Maria Braun”, filme de 1979 de Rainer Werner Fassbinder. A cena final acontece durante a disputa da final da Copa, bem no momento em que os alemães vencem e o narrador animadamente (e algo metaforicamente) anuncia que “Deutschland ist wieder was!" (“A Alemanha é alguma coisa de novo!”). Isso tudo, claro, alem de o episódio todo ter dado origem a um dos poucos filmes respeitáveis sobre futebol na história do cinema: “O Milagre de Berna”, de 2003,
- Febre da selva
O mítico Fritz-Walter-Wetter não tinha a ver apenas com caprichos do capitão alemão. Segundo os alemães, havia uma razão para que Fritz não rendesse bem quando fazia calor: é que durante seu tempo de soldado da Segunda Guerra Mundial, na Córsega e na Sardenha, o jogador teria contraído malária – condição que ainda o acompanhava e só se agravava quando o tempo era quente demais. Fritz morreu aos 81 anos, em 2002, antes de ver um sonho realizado: sua cidade de Kaiserslautern receber a Copa do Mundo de 2006.
- Meia força
Os húngaros não chegaram com força total à decisão: depois de ter participado apenas da parte bélica da “Batalha de Berna”, contra o Brasil, Ferenc Puskas também perdeu a semifinal diante dos uruguaios. Era tudo resultado de uma pancada que levou justamente no primeiro jogo contra a Alemanha Ocidental, a vitória por 8 x 3 ainda na primeira fase. Werner Liebrich mal imaginava que sua entrada no craque húngaro ainda faria diferença a favor de seu time dias depois, na final do torneio.
- Medalhões da sorte
A vitória dos uruguaios sobre a Inglaterra por 4 x 2, nas quartas-de-final, serviu para manter vivo por mais alguns dias o sonho do tricampeonato da Celeste e foi marcante pelo encontro de duas lendas dos dois países. Tanto ingleses como uruguaios tinham em suas equipes um jogador de 39 anos: de um lado o ponteiro Stanley Matthews e do outro Obdulio Varela – que até marcou um dos gols na vitória. Na semifinal contra a Hungria, o Uruguai perdeu o primeiro jogo em Copa do Mundo de sua história.
- Nasce uma marca
A Copa de 1954 foi um marco na história da Adidas. Adi Dassler, fundador da empresa, já havia inventado a chuteira de travas intercambiáveis 25 anos antes, juntos com seu irmão (que acabaria fundando a Puma), mas foi no “Milagre de Berna” que ela se popularizou. A seleção alemã toda usava chuteiras da Adidas, e no intervalo, quando a chuva apertou, conta-se que Adi foi até cada jogador e trocou as travas por outras mais apropriadas para o campo escorregadio. A história circulou, a Adidas se deitou na glória e dominou o mercado de chuteiras durante as décadas seguintes.
- Goleada improvável
Dá para entender quem hoje em dia desliga a televisão, com medo de um 0 x 0, quando vê que o jogo é Suíça x Áustria, mas algumas décadas atrás a história era diferente. No jogo de quartas-de-final daquela Copa, em Lausanne, os donos da casa abriram 3 x 0 com 19 minutos de jogo e, ao final do primeiro tempo, já haviam levado uma virada sensacional e perdiam por 5 x 4. Os austríacos acabaram vencendo por 7 x 5, naquele que até hoje é o jogo com mais gols na história das Copas do Mundo.
- Aconteceu, virou politica
A “Batalha de Berna” rendeu muito assunto tanto no Brasil como na Hungria. O meio-campista Boszik não escondia de ninguém que estava arrependidíssimo por ter participado de um esculacho daquele, porque afinal era membro do Parlamento húngaro (ah, se ele soubesse...). Já Mário Vianna, árbitro brasileiro naquela Copa e membro do Comitê de Arbitragem da FIFA, foi à rádio arrebatar contra o inglês Arthur Ellis: “Ele favoreceu os húngaros porque, alem de ladrão, é comunista!”
E o Brasil?
O Brasil não sobreviveu na Copa a ponto de presenciar, muito menos protagonizar, milagre nenhum em Berna, mas esteve no centro de outra partida histórica, ainda que menos edificante, na capital suíça: a “Batalha de Berna”. Foi dia 27 de junho, quando brasileiros e húngaros se enfrentaram pelas quartas-de-final.
Depois de ter recebido o Mundial anterior e chegado à final, o Brasil vivia Copa do Mundo como coisa séria: todos ansiavam pelo confronto contra os tão famosos húngaros. Não havia outra coisa no rádio – que naquela época era a voz do pais. Mais ainda depois da estreia da Seleção com uma goleada por 5 x 0 contra o México, seguida de um empate em 1 x 1 com a Iugoslávia - resultado que classificou as duas equipes, embora a lenda diga que os dirigentes brasileiros não sabiam disso e que, então, a equipe teria atacado uns embasbacados iugoslavos até o fim do jogo.
A partida de quartas-de-final contra a equipe mais badalada do planeta teria tudo para ser marcante pelo futebol ofensivo dos dois lados, mas acabou foi se tornando um dos maiores exemplos de selvageria dentro de campo de que se tem notícia. Não que não tenha havido futebol; houve: apesar de não contar com Puskas, lesionado, com sete minutos de jogo a Hungria já estava à frente por 2 x 0, gols de Hidegkuti e Kocsis. O Brasil descontou num pênalti cobrado por Djalma Santos aos 18. Pouco depois de os húngaros abrirem dois gols de vantagem aos 15 do segundo tempo, os brasileiros voltaram a encostar com um gol de Julinho. Até o 3 x 2, o jogo já era dos mais violentos, repleto de entradas duras dos dois lados, mas o britânico Arthur Ellis, juiz daquele confronto, estava apenas começando a ter trabalho.
Primeiro foi Nilton Santos quem acertou o húngaro Bozsik e, como revide, levou um sopapo na cara. Houve empurra-empurra, bololô e os dois acabaram expulsos. Ali ficou oficializado que o jogo era canibalismo. Conta-se que Djalma Santos abdicou solenemente da bola e se dedicou apenas a perseguir Zoltan Czibor. Humberto também acertou sua botinada em Lorant e foi o terceiro expulso da partida, dez minutos antes do fim. O quarto gol da Hungria, aos 43 do 2º, só serviu para colocar mais tensão e anarquismo ainda no que aconteceu após o apito final. Foi um motim. O brasileiro Pinheiro levou uma garrafada na cabeça – uns dizem que de Puskas, outros, de um torcedor húngaro. Os brasileiros invadiram o vestiário da Hungria e colocaram para ferver uma baixaria que teve direito a toda classe de soco, pontapé, arranhão, garrafada e cadeirada. Houve gente desmaiada e o técnico húngaro Gusztav Sebes saiu com quatro pontos na testa. Foi assim nossa participação em 1954: uma eliminação nem tão decepcionante, nem tão louvável. Mas, definitivamente, notória.
A Campanha do Brasil
Primeira fase Data Confronto Local
16/06/1954 BRASIL 5 X 0 México (BRA: Baltazar 23"/1º, Didi 30"/1º, Pinga 34" e 43"/1º, Julinho 24"/1º) - Genebra
19/06/1954 BRASIL 1 X 1 Iugoslávia (BRA: Didi 24"/2º; IUG: Zebec 3"/2º) - Lausanne
Quartas-de-final
27/06/1954 BRASIL 2 X 4 Hungria (BRA: Djalma Santos 18"/1º, Julinho 20"/2º; HUN: Hidegkuti 4"/1º, Kocsis 7"/1º e 43"/2º, Lantos 15"/2º) - Berna
A Final
04/07/1954 Alemanha 3 X 2 Hungria (ALE: Morlock 10"/1º, Rahn 18"/1º e 39"/2º; HUN: Puskas 6"/1º, Czibor 8"/1º) - Berna
Alemanha
Turek, Kohlmeyer, Eckel, Posipal, Mai, Liebrich, Rahn, Morlock, Ottmar Walter, Fritz Walter, Schaefer. Técnico: Sepp Herberger
Hungria
Grosics, Buzanski, Lorant, Lantos, Bozsik, Zakarias, Kocsis, Hidegkuti, Puskas, Czibor e Toth. Técnico: Gusztav Sebes
Fonte: IG
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