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sábado, outubro 30, 2010

"Senna" para quem não viu Senna

Documentário sobre a vida do maior piloto de automobilismo mundial, o brasileiro Ayrton Senna estreia no Brasil dia 12 de novembro.

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Dezesseis anos depois de sua morte, o documentário sobre a vida do tricampeão mundial dá a quem não o conheceu a oportunidade de entender o que ele representou para os brasileiros de mais de 30



Eu sempre achei que Ayrton Senna ia morrer na pista. Em 1984, quando ele estreou na Fórmula 1 - já com grande expectativa em torno de si, por parte dos que acompanhavam automobilismo -, eu assistia aos Grandes Prêmios, nos meus 13 anos, com o coração na mão da largada até a última volta.

Quando ele conquistou o primeiro título mundial, em 1988, o adolescente de 17 anos não pôde deixar de verter algumas lágrimas comovidas ao vê-lo gritar de alegria, de madrugada, pela TV.

Quando seu Williams bateu na curva Tamburello, em 1994, eu, já então um repórter de 22 anos, estava entre aqueles que inicialmente não acreditaram que ele pudesse ter morrido - afinal, ele mexera a cabeça no cockpit do carro.

Só quem tem mais de 30 anos e viveu esses momentos pode entender com precisão o que representou a breve carreira de Ayrton Senna para milhões de brasileiros. Corridas de carro não têm a menor importância - são até estúpidas, se pensarmos -, mas de alguma forma aquilo que Senna fazia se tornou relevante mesmo para quem não ligava para Fórmula 1. "Senna", de Asif Kapadia, o documentário da Universal Pictures que estreia em 12 de novembro no Brasil, é, de certa forma, a melhor maneira de aproximar quem não testemunhou esse período das emoções que ele despertou. Em alguns momentos voltei a sentir exatamente o que senti nos momentos descritos acima.

Feito com a colaboração do Instituto Ayrton Senna, o documentário não contém revelações bombásticas. Alguns vídeos caseiros da família em férias - inclusive um namorando uma moça anônima de bíquini, talvez uma forma sutil de desmentir os boatos sobre a vida do piloto, ignorados pelo roteiro -, um ou outro ângulo novo de uma cena conhecida. Mesmo assim, para quem entende ou não de Fórmula 1, é cinema dos bons.

O filme começa com Senna aos 18 anos, no Campeonato Mundial de Kart, nos idos de 1978 (na última cena essa escolha é explicada de forma pungente). Depois se retraça, de forma bastante linear, impecavelmente cronológica, a ascensão do piloto. Depoimentos de contemporâneos, muitos deles jornalistas, apoiam as imagens. Um dos acertos do filme foi ter incluído entre esses testemunhos o do veterano Reginaldo Leme, sempre sóbrio e bem informado.

Para quem acompanhou atentamente a trajetória de Senna, são poucas as novidades. Um dos pontos altos são os vídeos dos pre-race briefings, as reuniões dos pilotos com comissários de pista e cartolas que antecedem todos os Grandes Prêmios. Num deles, surpreendentemente, Nelson Piquet - um dos maiores desafetos de Senna - defende a manobra do compatriota no Grande Prêmio do Japão de 1989, que lhe valeu a desclassificação e a perda do título mundial. Em outra, Senna bate boca com um de seus maiores inimigos, o chefão da Federação Internacional de Automobilismo, Jean-Marie Balestre, em torno de uma questão de segurança do circuito da Cidade do México. Essas duas cenas valem o documentário para os sennistas mais fanáticos. Outra, mais conhecida, é a resposta irreverente ao tricampeão mundial Jackie Stewart, que insinua numa entrevista que Senna punha em risco os outros pilotos.

Algumas pérolas, como a constrangedora visita de Senna à namorada Xuxa, em seu programa de TV, foram pescadas pelos produtores e suavizam a tensão crescente de um roteiro que o espectador sabe como vai terminar, e que nem assim perde o interesse. A sombra da morte paira desde o início, pois foram resgatados vários trechos de entrevistas de Senna a respeito desse risco. Pilotos há das mais variadas personalidades, e Senna era do gênero introspectivo. Das primeiras imagens, em que o menino de 23 anos aparece cercado pelos pais, às cenas de seus últimos dias de vida, Senna parece envelhecer décadas, embora apenas dez anos se passem. O rosto de menino se torna sulcado, a voz juvenil fica mais grave, o inglês hesitante do início se torna quase perfeito no fim, a religiosidade superficial do debutante dá lugar ao tom quase messiânico dos momentos finais.

É tentador concluir que não se fazem mais campeões como antigamente, mas em geral quem diz isso sofre apenas nostalgia da própria juventude. A atual geração está cheia de pilotos fantásticos, como Fernando Alonso, Robert Kubica e Sebastian Vettel. Talvez algum deles seja no futuro objeto de um documentário, como Senna. Dificilmente, porém, será um documentário tão fascinante quanto este. Fonte

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