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sexta-feira, maio 21, 2010

Histórias das Copas: 1930 no Uruguai

No princípio era o convite
A única Copa do Mundo sem Eliminatórias aconteceu com apenas 13 equipes



Resumo da Copa
Campeão: Uruguai Vice: Argentina 3º lugar: EUA 4º lugar: Iugoslávia
Os artilheiros
Stábile (ARG) 8 gols
Cea (URU) 5 gols
Patenaude (USA) 4 gols
Subiabre (CHI) 4 gols
Anselmo (URU) 3 gols
Países participantes (13)
Argentina, Bélgica, Bolívia, BRASIL, Chile, Estados Unidos, França, Iugoslávia, México, Paraguai, Peru, Romênia e Uruguai
Sede
Montevidéu
Publico total: 434.500 Jogos: 18 Gols: 70 Média de gols: 3,89

A Copa
Hoje, sob a lupa impiedosa e onipotente da história, é o caso de nos perguntarmos: por que diabos a FIFA, que existia desde 1904, chegou até 1930 sem organizar um torneio aberto a todos seus afiliados mundo afora? Parece um contrassenso, mas o fato é que foi só ao longo da década de 1920 que o mundo começou a perceber que o futebol tinha potencial para se tornar praticamente tão importante quanto a soma de todas as outras modalidades.

Porque até então a manifestação esportiva que já começara a chamar atenção internacional eram os Jogos Olímpicos. Em Londres-1908 e Estocolmo-1912, as respectivas federações de futebol locais organizaram o torneio olímpico, mas em 1914 a FIFA chegou a um acordo com o COI e assumiu o posto de organizadora a competição de futebol nas Olimpíadas de 1920, 24 e 28. Os Jogos de Paris em 1924, aliás, são considerados um dos marcos fundamentais na história do esporte: foi a primeira vez que equipes de outros continentes viajaram até a Europa para uma disputa oficial. O tremendo sucesso de público e participação não se repetiu quatro anos depois em Amsterdã, e foi então que a FIFA decidiu que devia ela mesma tomar a rédea de um esporte que tinha potencial para se tornar o mais relevante do planeta. Era hora de o futebol ter a sua própria festança quadrienal.

Num congresso em Barcelona, em maio de 1929, a entidade decidiu que o Uruguai, campeão das duas edições anteriores dos Jogos Olímpicos, sediaria a primeira Copa do Mundo. E então aprendeu-se a lição número um: quando o assunto é futebol, cada decisão, qualquer que seja, acarreta um punhado de reclamações. Por um lado, a crise econômica na Europa dificultava que o torneio fosse realizado lá. Por outro, os países europeus chiaram já que, em crise, como iam atravessar o Oceano Atlântico só para bater uma bolinha? Além do mais, um bocado de clubes achou um absurdo ter que ceder seus jogadores durante dois meses – uma insatisfação que, como se sabe, não foi resolvida até hoje.

O saldo disso tudo foi que, apesar de todos os 46 países filiados à FIFA terem sido convidados, no dia do prazo de inscrição, 28 de fevereiro de 1930, apenas Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Peru haviam confirmado presença. Foi preciso que o presidente Jules Rimet partisse para uma campanha corpo-a-corpo para convencer pelo menos alguns países europeus a fazer a viagem. A única Copa do Mundo que não teve Eliminatórias acabou acontecendo com 13 equipes – não necessariamente as melhores do mundo na época.

O certo é que o troféu, que na época se chamava “Vitória com Asas de Ouro”, foi, sim, para o melhor time do mundo. Depois do bicampeonato olímpico – que muitos no país até hoje contam como títulos mundiais -, o Uruguai de Iriarte, Cea e do capitão José Nasazzi tratou de garantir que, também para a tal lupa da história, seria considerado sem asteriscos a melhor equipe daquele período. Mesmo que aquela Copa do Mundo tenha tido pouca cara de Copa do Mundo, pelo menos foi um primeiro passo. E era só disso que o futebol precisava para começar a se transformar naquilo que é hoje.

Curiosidades
- Agora quem dá bola é...
Quando a gente conta que naquele tempo ainda havia clima de amadorismo, de pelada de bairro, não é só maneira de dizer, não. Na finalíssima da Copa do Mundo, por exemplo, argentinos e uruguaios não conseguiam chegar a um consenso sobre qual tipo de bola de futebol utilizar. A solução encontrada pelo árbitro belga Jean Langenus foi salomônica: no primeiro tempo as equipes jogaram com uma fornecida pela federação argentina; no segundo, com outra da federação uruguaia. Coincidência ou não, a Argentina foi para o intervalo vencendo por 2 x 1 e, na segunda parte, levou a virada.

- Questão de Estado
O processo de convencer a Romênia a participar da Copa do Mundo chegou até o Rei Carol III, que não só gostou da ideia como tratou de ele próprio convocar o grupo que viajaria ao Uruguai e de negociar com os empregadores dos atletas para que estes não perdessem seus postos de trabalho quando voltassem da missão pátria. Os romenos estrearam com vitória por 3 x 1 sobre o Peru, mas em seguida caíram por 4 x 0 diante do Uruguai e voltaram para Bucareste.

- 39 mais os acréscimos
Por mais que se tenha vergonha de admitir, a dificuldade de visualizar as horas nos relógios de ponteiro é algo que acomete a cada um de nós de tempos em tempos. Às vezes acontece no pior momento possível, como pôde comprovar Almeida Rego, árbitro de Argentina 1 x 0 França. Acontece que o brasileiro se confundiu e apitou o final da partida seis minutos antes dos 45 regulamentares. Depois de protestos indignados dos franceses, Almeida Rego admitiu o erro e mandou chamar todo mundo de volta – inclusive alguns argentinos que já estavam no chuveiro – para jogar os seis minutinhos finais.

- Cheerleaders
Diante da falta de experiência e talento para jogar bola, os bolivianos decidiram encarar o primeiro desafio internacional de sua história com um pouquinho de adulação aos donos da casa. Em sua estreia contra a Iugoslávia, a Bolívia entrou em campo com seus 11 jogadores perfilados, cada um com uma letra estampada na frente da camisa: “V-I-V-A U-R-U-G-U-A-Y”. Apesar do êxtase que, conta-se, foi despertado em todos os 800 presentes à partida, os bolivianos perderam por 4 x 0.

- Domingo no clube
A partida entre Peru e Romênia entrou para a história por duas razões pouco dignificantes: o jogo teve a primeira expulsão da história das Copas, do peruano Plácido Galindo aos 9 minutos do segundo tempo, e também o menor público de um jogo de Copa do Mundo até hoje – 300 pessoas.

- Primeiro o dever
Copa do Mundo, que nada. O centroavante Manuel Ferreira não quis saber de perder a prova que tinha na faculdade só porque era dia de jogo da seleção argentina contra o México: ele voltou a Buenos Aires e, com isso, abriu lugar no time titular para Guillermo Stábile – que marcou três gols na vitória de 6 x 3 e não perdeu mais a vaga. Quando Ferreira voltou da prova, teve que virar ponta-direita para continuar no time no jogo seguinte.

- A-ha, u-hu! O Gardel é nosso!
A nacionalidade do cantor de tango Carlos Gardel é questão seriíssima até hoje entre a Argentina – que é onde o cantor viveu a maior parte da vida – e o Uruguai – onde passou a infância e, segundo os uruguaios, onde teria nascido. Na véspera da final entre os dois países, Gardel tratou de instigar ainda mais a polêmica: visitou a concentração da Argentina, mas também deu uma passada na sede dos uruguaios para cumprimentá-los. No final das contas, o maior beneficiado da polêmica toda foi o próprio Gardel, cuja fama nos dois países só fez aumentar.

- Nós vamos invadir sua praia
O primeiro grande teste de segurança para a Copa do Mundo não podia ser mais tenso: uma final entre dois rivais separados apenas pelo Rio da Prata. Dez barcos foram devidamente numerados e identificados para fazer a travessia que levaria os torcedores argentinos até Montevidéu para assistir à partida. Só que o controle não funcionou: quem quis, passou pelo rio. De repente foram entre 10 e 15 mil argentinos tentando desembarcar na capital uruguaia aos gritos de “vitória ou morte!”. A imensa maioria nem conseguiu colocar os pés em terra firme antes de o jogo começar.

E o Brasil? E o Brasil?
Num país onde a regra é que pouca gente mande e desmande nos assuntos de grande relevância, o aumento da importância e da popularidade do futebol só poderia vir acompanhado de uma disputa entre dois grupinhos poderosos. O esporte deixava de ser uma atividade amadora limitada aos jovens da elite para se tornar algo popular e, cada vez mais, profissional. A CBD (Confederação Brasileira de Desportos), com sede no Rio de Janeiro, era a responsável oficial por montar a Seleção Brasileira, mas precisava sempre enfrentar um lobby considerável da Apea (Associação Paulista de Esportes Atléticos) – que defendia os interesses dos clubes de São Paulo.

Foi por causa de uma das muitas picuinhas entre as duas entidades que o Brasil foi à Copa do Mundo de 1930 com um grupo bem inferior ao que poderia. A Apea exigiu a presença de algum paulista na comissão técnica que viajaria ao Uruguai, mas a CBD não respondeu à petição. Os paulistas, então, decidiram que não liberariam nenhum dos atletas do estado que já haviam sido convocados, entre eles ídolos como Filó, Petronilho, Feitiço e o mito Arthur Friedenreich – que acabou encerrando sua carreira histórica sem nunca ter jogado um Mundial.

Quem defendeu o Brasil na primeira Copa, então, foi a seleção fluminense reforçada por Araken Patuska, que acabara de se desligar do Santos e, portanto, não tinha mais vinculo com a Apea. Não que fosse exatamente um time fraco: havia gente como o botafoguense Carvalho Leite ou Preguinho, famoso por também integrar as equipes de natação, vôlei e atletismo do Fluminense. Foi dele, aliás, o primeiro gol brasileiro na história das Copas: o único na derrota por 2 x 1 para a Iugoslávia, na estreia. O resultado acabou determinando nossa eliminação precoce: derrotamos a Bolívia por 4 x 0, com mais dois gols de Preguinho, mas apenas o vencedor do grupo de três equipes passaria à semifinal.
A aventura durou pouco, e até hoje os brasileiros se perguntam: quanto mais poderia ter durado se quem viajasse fosse um combinado daquilo que os clubes brasileiros – ou no mínimo os de Rio de Janeiro e São Paulo - tinham de melhor?

A Campanha do Brasil
Primeira Fase
14/07/1930 BRASIL 1 X 2 Iugoslávia (BRA: Preguinho 17"/2º; IUG: Tirnanyc 21"/1º e Bek 30"/1º)
20/07/1930 BRASIL 4 X 0 Bolívia (BRA: Moderato 37"/1º e 28"/2º e Preguinho 12" e 38"/2º)

A Final
Final Data Confronto Local
30/07/1930 Uruguai 4 X 2 Argentina (URU: Dorado 12"/1º, Cea 20"/2º, Iriarte 23"/2º e Castro 44"/2º; ARG: Peucelle 20"/1º e Stábile 37"/1º)

Uruguai
Ballesteros, Gestido, Fernandez, Iriarte, Andrade, Castro, Scarone, Dorado, Mascheroni, Cea e Nasazzi. Técnico: Alberto Suppici
Argentina
Botasso, Ferreira, Juan Evaristo, Della Torre, Stábile, Monti, Suarez, Varallo, Peucelle, Mario Evaristo e Paternoster. Técnico: Juan José Tramutola

Fonte: IG

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