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sábado, maio 22, 2010

Histórias das Copas: 1934 na Itália

Cumprindo ordens
A Copa de 1934 foi para o fascismo aquilo que os Jogos Olímpicos de Berlim seriam para o nazismo



Resumo da Copa
Campeão: Itália Vice: Tchecoslováquia 3º lugar: Alemanha 4º lugar: Áustria
Os artilheiros
Nejedly (CZE) 5 gols
Conen (GER) 4 gols
Schiavio (ITA) 4 gols
Kielholz (SUI) 3 gols
Orsi (ITA) 3 gols
Países participantes (16)
Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, BRASIL, Egito, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hungria, Itália, Romênia, Suécia, Suíça, Tchecoslováquia
Sedes
Roma, Florença, Milão, Bolonha, Nápoles, Turim, Gênova e Trieste
Público total: 395.000 Jogos: 17 Gols: 70 Média de gols: 4,11

A Copa
A década de 1930 foi pródiga na utilização dos grandes eventos esportivos como plataforma política. A chave está numa combinação peculiar de dois fatores: o auge de regimes totalitários e populistas, que tinham na propaganda parte importante do seu plano, e um estágio em que esses eventos eram grandes o bastante para chamar a atenção internacional, mas ainda pequenos e amadores o suficiente para se deixarem ser controlados por um ditador em busca de júbilo.

Até certo ponto, pode-se dizer que a Copa do Mundo de 1934 foi para o fascismo de Benito Mussolini aquilo que os Jogos Olímpicos de Berlim, dois anos depois, seriam para o nazismo de Adolf Hitler. Com algumas diferenças marcantes: a Copa, naquela época, ainda significava menos que a Olimpíada e, além do mais, Mussolini não tinha nem um departamento de propaganda, muito menos uma Leni Riefenstahl, comparáveis aos de seu chapa alemão.

Mas, por outro lado, a festa de Mussolini também não teve nenhum Jesse Owens causando embaraço: o segundo Mundial, como o primeiro, foi vencido pela equipe da casa. Algumas circunstâncias, desde o princípio, já foram favoráveis: pela primeira (claro) e até hoje única vez na história, o campeão não apareceu para defender o titulo. Como represália ao fato de os italianos não terem disputado a primeira Copa (e aproveitando que o futebol do país estava em greve), os uruguaios se recusaram a participar do torneio. Os outros sul-americanos, Brasil e Argentina, chegaram com equipes esfarrapadas por causa da briga entre amadorismo e profissionalismo que dava o tom do futebol dos dois países naquela época. Sobraram apenas os europeus.

Os anfitriões entraram, pois, como favoritos ao lado da Espanha e principalmente do Das Wunderteam (“A Equipe Maravilha”) da Áustria, cujo toque de bola refinado era ditado pelo técnico Hugo Meisi e comandado em campo por Matthias Sindelar. O formato de disputa daquele Mundial foi curto e grosso: 16 times; oitavas-de-final, quem perder está fora. Eram apenas quatro jogos até o título - embora os italianos tenham necessitado de cinco, já que, depois do 1 x 1 com a Espanha nas quartas-de-final, disputaram um jogo extra de desempate, que venceram por 1 x 0.

O técnico Vittorio Pozzo foi um dos primeiros na história a se preocupar em algo mais do que atacar, e isso se notou na maneira de aquela Itália jogar. Pozzo transformou o habitual 2-3-5 que imperava naquela época em um sistema um pouco mais cauteloso, com dois dos atacantes transformados em meio-campistas. E, então, com exceção da estreia arrasadora contra os Estados Unidos (7 x 1), em seus outros quatro jogos a Itália não marcou mais do que dois gols: depois dos jogos contra os espanhóis veio a semifinal contra a Áustria e mais um 1 x 0 magrinho.

Na decisão, 2 x 1 sobre a Tchecoslováquia, e a Azzurra fez o que era esperado, para não dizer obrigatório: manteve em solo nacional, orgulhoso e fascista as duas taças: a Jules Rimet e a (muito maior) Coppa Del Duce, honradamente criada por Benito Mussolini para ser dada à equipe merecidamente campeã, qualquer que fosse ela. Tudo em nome da grandeza esportiva, capisce?

Curiosidades
- Concorrido
A primeira Copa do Mundo, no Uruguai, chamou a atenção de tanta gente que a segunda edição já precisou ter Eliminatórias divididas por regiões geográficas: no total, houve 31 países inscritos para as 16 vagas que estavam em jogo.

- Direito divino
As Eliminatórias, aliás, foram repletas de casos curiosos. Até a anfitriã Itália, por exemplo, precisou conseguir sua vaga no campo. Ou seja: pela primeira e única vez, houve risco de os donos da festa não participarem dela. Para alivio do departamento de propaganda estatal, os italianos marcaram 4 x 0 sobre a Grécia no San Siro, em Milão, e nem precisaram disputar a partida de volta, em Atenas: os gregos ficaram tão chateados pela goleada que desistiram da disputa.

- Invicto
O Brasil teoricamente também deveria ter disputado um confronto dentro da América do Sul para assegurar seu lugar na Copa do Mundo da Itália, mas, enquanto Bolívia e Paraguai estavam ocupados batalhando pela região do Chaco, nosso suposto adversário que havia sobrado, o Peru, acabou entregando a vaga por WO. O mesmo aconteceu com os chilenos, que desistiram da disputa com a Argentina.

- Bate-e-volta
Se para os brasileiros foi desagradável viajar tanto tempo para disputar uma só partida, o que dizer, então, dos mexicanos? A equipe pensava ter conquistado sua vaga ao derrotar Cuba na Eliminatória, mas quando chegou à Itália descobriu que os Estados Unidos haviam se inscrito na competição e que os dois países deveriam, então, jogar uma partida decisiva, em Roma, com a vaga em disputa. Os norte-americanos venceram por 4 x 2 e colocaram os mexicanos de volta no barco, para mais 6 mil e tantos quilômetros de viagem de volta.

- Geopolítica
Além de europeus e americanos, a segunda Copa do Mundo teve um ilustríssimo representante do resto do planeta: o Egito. O país se tornou o primeiro da África a disputar um Mundial – e o único até 1970, quando o Marrocos se classificou para a Copa do México. Para se ter uma ideia de como o mundo era outro naquele pré-Segunda Guerra: os egípcios chegaram à Itália via Jerusalém, depois de terem se classificado nas Eliminatórias com duas vitórias sobre... a Palestina!

- Troca-tapa austro-húngaro
O jogo bonito da Áustria era uma das grandes atrações daquele Mundial, principalmente depois de a equipe derrotar os italianos por 4 x 2, em Florença, quatro meses antes do torneio. Mas, nas quartas-de-final, o que chamou a atenção dos torcedores em Bolonha foi o grau de violência destemperada do duelo entre os austríacos e seus ex-colegas de império (e inimigos de guerra), os húngaros. A vitória por 2 x 1 foi definida na época por um jornal como “uma briga de rua”.

- É campione!
O ano de 1934 marcou o primeiro titulo mundial de futebol conquistado por um brasileiro. Filó, ex-Corinthians e Portuguesa, conhecido na Azzurra por seu sobrenome Guarisi, já jogava na Lazio quando decidiu naturalizar-se italiano. Ele se juntou a outros sul-americanos de origem italiana, como os argentinos Guaita, Orsi, Demaria e Monti. Os dois últimos, aliás, haviam disputado a final da Copa de 1930 com a Argentina antes de se juntarem aos campeões mundiais de 34.

- Pré-Pelé
Se você tem a impressão de já ter ouvido falar de Waldemar de Brito, mas não tem certeza de onde, saiba que provavelmente não foi por causa de sua participação na Copa de 1934. Waldemar tornou-se famoso mesmo duas décadas depois, quando, então técnico do Bauru Atlético Clube, foi o responsável por revelar para o Brasil um magrelinho habilidoso de apelido “Gasolina”. Convenceu os pais do garoto a deixarem-no tentar a sorte no Santos Futebol Clube e o resto é a história manjada do maior jogador de futebol de todos os tempos.

E o Brasil?
Para nós, a História tem muito mais assunto sobre o período que antecedeu a Copa do Mundo de 1934 do que propriamente sobre a participação brasileira. Também, pudera: nosso Mundial durou só os 90 minutos da estreia contra a Espanha. Perdemos por 3 x 1 em Gênova, numa partida em que aos 29 minutos o Brasil já estava três gols atrás no marcador. A Seleção chegou a reagir no segundo tempo: perdeu um pênalti, com Waldemar de Brito, e descontou, gol de Leônidas. Mas a Copa foi aquilo mesmo: um só joguinho. Muito pouco se comparado à novela que foi reunir aqueles 17 jogadores e cruzar o Atlântico com eles.

Ao contrário de hoje, quando para falar bem de um jogador o legal é dizer que se trata de “um profissional”, naquela década de 1930 ainda não estava muito claro se chamar um sujeito assim era elogio ou ofensa. O profissionalismo começava a tomar conta do futebol brasileiro, mas ainda havia sérias resistências ao fim do amadorismo, principalmente por parte da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), que era quem organizava a Seleção Brasileira. Coube a Carlito Rocha, dirigente astuto do Botafogo, montar a comissão técnica e convencer os outros clubes profissionalizados a cederem seus jogadores. Só conseguiu isso com os vascaínos Tinoco e Leônidas da Silva e com Waldemar de Brito, do São Paulo da Floresta. A disputa invadiu todos os jornais; virou assunto nacional. Foi uma verdadeira guerra, com argumentos de modernização de um lado e de patriotismo do outro. Conta-se que o presidente do Palestra Itália, Dante Delmanto, escondeu os convocáveis Tunga, Gabardo e Junqueira em sua fazenda, protegidos por capataz de espingarda em punho, para não deixar que Carlito Rocha sequer chegasse perto. Diante desse bafafá, desnecessário dizer que, de novo, o Brasil não foi à Copa com o que tinha de melhor.

O certo é que dia 12 de maio os 17 jogadores que Carlito Rocha conseguiu juntar embarcaram no navio Conte Biancamano para quase duas semanas de viagem. Foi só em Dacar, no Senegal, uma semana depois de ter deixado o Brasil, que o grupo foi treinar com bola pela primeira vez. Tanta aventura só para aqueles 90 minutos desencontrados diante dos espanhóis. O jeito, para não perder totalmente a viagem, foi levar o time para excursionar Europa afora: depois de mais oito amistosos por Iugoslávia, Espanha e Portugal, a Seleção Brasileira, ou o que quer que fosse aquele apanhado de gente que não sabia exatamente por que estava lá, retornava de uma odisseia que pareceu tudo, menos campanha de Copa do Mundo.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
27/05/1934 BRASIL 1 X 3 Espanha (BRA: Leônidas 10"/2º; ESP: Chato 18" e 25"/1º e Langara 29"/1º) - Gênova

A Final
10/06/1934 Itália 2 X 1 Tchecoslováquia (ITÁ: Orsi 36"/2º e Schiavio 5"/1º [prorrogação]; TCH: Puc 31"/2º) - Roma

Itália
Combi, Monzeglio, Schiavio, Meazza, Guaita, Ferrari, Orsi, Bertolini, Monti, Allemandi e Ferraris. Técnico: Vittorio Pozzo
Tchecoslováquia
Planicka, Svoboda, Krcil, Ctyroky, Sobotka, Nejedly, Junek, Zenisek, Kostalek, Puc e Cambal. Técnico: Karel Petru

Fonte: IG

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