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segunda-feira, maio 24, 2010

Histórias das Copas: 1950 no BRASIL

A tragédia depois da tragédia
Menos de um ano após o fim da 2ª Guerra Mundial, o Brasil viveria um pesadelo em sua própria casa



Resumo da Copa
Campeão: Uruguai Vice: Brasil 3º lugar: Suécia 4º lugar: Espanha
Os artilheiros
Ademir (BRA) 9 gols
Oscar Miguez (URU) 5 gols
Estanislao Basora (ESP) 5 gols
Alcide Ghiggia (URU) 4 gols
Chico (BRA) 4 gols
Paises participantes (13)
Bolívia, BRASIL, Chile, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Paraguai, Suécia, Suíça e Uruguai
Sedes
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife
Público total: 1.337.000 Jogos: 22 Gols: 88 Média de gols:4

A Copa
Podia o mundo querer se reunir para jogar bola, com aquele cheiro de pólvora ainda pairando no ar? Para a FIFA, não apenas podia, como devia. Em julho de 1946, menos de um ano apos o fim oficial da Segunda Guerra Mundial, a entidade já decidia a sede da quarta Copa do Mundo. Não que houvesse candidatos se acotovelando para receber o evento: a comunidade internacional ainda andava ocupada demais recolhendo os cacos do conflito. Por causa da falta de interesse, por pouco não houve a Copa de 1950. E os brasileiros tendem a concordar que talvez fosse melhor que não tivesse havido mesmo.

O Brasil apareceu no Congresso Executivo da FIFA de 1946 com uma proposta que pedia uma única concessão: que o torneio fosse marcado para 1950, e não 1949 como pretendia a FIFA. A ideia de levar a competição para bem longe de uma Europa em obras, num país tão animado que pretendia construir o maior estádio do mundo para abrigar os jogos parecia boa demais para ser verdade. A petição brasileira foi aceita sem pestanejos e, 12 anos depois, estava de volta a disputa pela taça de campeão do mundo – agora rebatizada de Jules Rimet, nome do francês que presidia a FIFA desde 1921 e o faria até 1954.

Ninguém se surpreendeu com o número modesto de interessados em participar: 33 países disputaram as Eliminatórias e apenas 13 viajaram ao Brasil – o menor quórum até hoje, empatado com a edição inaugural de 1930. Com tanto mundo para reconstruir, era compreensível que os europeus relutassem em empreender uma viagem daquelas. Isso além das nações que ainda continuavam proibidas de participar até de rodada de bingo: o Japão e a Alemanha. Por razões que provavelmente têm a ver com o fato de ser a então defensora do bicampeonato mundial, a Itália – também integrante das Potências do Eixo – escapou do veto.

Tudo isso de contextualização para, finalmente, resumir aquele Mundial com um só jogo. Mais que isso: uma palavra só. Foi a Copa do Maracanazo. Basta dizer isso. É inevitável, não há jeito de fugir. Nunca um estádio de futebol recebeu tanta gente como os 200 mil do Maracanã em 16 de julho. Nunca um pais teve tanta certeza de que sairia campeão como o Brasil em 1950. Nunca se viu tamanha manifestação coletiva de tristeza por uma razão que não envolvesse a morte de alguém notório. Depois da derrota por 2 x 1 para o Uruguai, seria o caso de se dizer com aparente razão: “se o Brasil não ganhou desta vez, não ganha nunca mais”. O sentimento era esse.

Curiosidades
- No-show
Os vários países desistentes tiveram motivos de todo tipo para decidir ficar em casa. A Escócia terminou como vice-campeã do Campeonato Britânico, ao perder para a Inglaterra. Os dois estavam classificados, mas os escoceses acharam que seria um vexame participar do mesmo torneio que os ingleses depois de terem caído diante dos rivais. Dizem que a Argentina não apareceu só de raiva por não ter sido escolhida como sede. E a Índia, depois de já classificada, achou um absurdo que a FIFA não permitisse que seus atletas jogassem descalços, como estavam acostumados.

- Revolta colonial
Mesmo ofuscada por uma surpresa tão contundente como o Maracanazo, a vitória dos Estados Unidos sobre a Inglaterra por 1 x 0, na primeira fase, até hoje é considerada uma das maiores zebras da história. Os inventores do futebol participavam pela primeira vez de uma Copa e, após estrear com 2 x 0 sobre o Chile, não conseguiam sequer cogitar a possibilidade de perder para a equipe amadora daquela que até outro dia era sua colônia. Tanto que, quando recebeu o resultado da partida por telégrafo, um jornal britânico pensou se tratar de erro de digitação e não teve dúvida em cravar o placar que fazia mais sentido: EUA 1 x 10 Inglaterra. Os ingleses perderam também seu terceiro jogo por 1 x 0, para a Espanha, e voltaram para casa desejando jamais ter inventado aquele esporte estúpido. A vitória dos americanos em Belo Horizonte deu origem até a um filme: “Duelo de Campeões”.

- Arroz de festa
A ausência de Bélgica, França e Romênia, que haviam estado nas Copas de 1930, 34 e 38, fez do Brasil a única seleção a jamais faltar a uma edição sequer do Mundial – condição que mantém até hoje.

- Luto e desfalque
A Itália precisou defender seu longínquo titulo de campeã do mundo com um elenco bem mais fraco do que esperava por causa daquela que ficou famosa como “Tragédia de Superga”. Em 4 de maio de 1949, o avião que levava a delegação do Torino AC de volta à Itália depois de um amistoso em Lisboa caiu e se chocou com a Basílica de Superga, nas imediações de Turim. Morreram as 31 pessoas a bordo, inclusive os 18 jogadores e toda a comissão técnica. O Torino havia sido tetracampeão italiano entre 1946 e 49 e, a quatro rodadas dos fim da Série A, liderava o torneio outra vez. O clube disputou as partidas finais com uma equipe juvenil, e seus quatro rivais – Genoa, Palermo, Sampdoria e Fiorentina – respeitosamente fizeram o mesmo. O Torino venceu os quatro jogos e se sagrou pentacampeão. Mas, por muito tempo o clube, para não dizer todo o futebol italiano, jamais seria o mesmo.

- Caído do céu?
Brasil x Iugoslávia, terceira partida da fase de grupos. A Seleção entrava sob pressão, pois precisava vencer para garantir sua classificação. Parecia um presente dos céus que de cara a equipe entrasse com um jogador a mais que o iugoslavos: é que ao subir a escada que leva do vestiário ao gramado do Maracanã, o atacante Rajko Mitic acertou com a cabeça numa estrutura de concreto e passou os primeiros minutos do jogo fora de campo recebendo um curativo. Enquanto isso, com 11 contra dez, o Brasil marcou 1 x 0, gol de Ademir. Mais tarde Zizinho faria o segundo para definir o placar.

- Presságio
A derrota apara o Uruguai foi surpreendente, mas não dá para dizer que fosse uma tremenda zebra; algo que só aconteceria em uma ocasião se as equipes e enfrentassem centenas de vezes. Pouco antes da Copa, brasileiros e uruguaios disputaram três partidas pela Copa Rio Branco: a Seleção perdeu uma por 4 x 3 e venceu as duas seguintes por 3 x 2 e 1 x 0. Nenhuma moleza.

- Meu mundo caiu
Depois da derrota traumatizante, o Brasil tomou medidas compreensíveis: primeiro, passou quase dois anos de fossa olhando para o céu em desilusão. Durante todo o ano de 1951, a Seleção Brasileira não disputou um joguinho sequer: só foi voltar a campo no Pan-Americano de abril de 1952. Pouco depois, nos Jogos Olímpicos de Helsinque, a equipe estreou a camisa amarela: o agourento uniforme branco com gola azul, usado no Maracanazo, foi fechado numa caixa, trancafiado e enterrado para sempre.

- Sem cerimônia
Em seu livro “A História Maravilhosa da Copa do Mundo”, o então presidente da FIFA Jules Rimet conta de forma interessante os momentos da virada uruguaia desde seu ponto de vista: “Ao fim do jogo, eu deveria entregar a taça ao capitão da equipe campeã. Uma imponente guarda se formaria da entrada até o centro do campo, onde a equipe vencedora (a do Brasil, naturalmente) estaria me esperando. Depois do Hino Nacional, eu entregaria a Copa. (...) Faltando alguns minutos para o fim do jogo (que estava 1 x 1 ), deixei meu lugar na tribuna de honra e, já preparando os microfones, desci até os vestiários, ensurdecido pelos gritos da multidão. (...) Eu seguia em direção ao campo e, na saída do túnel, um silêncio desolador havia tomado o lugar de todo aquele júbilo. Não havia guarda de honra, nem hino nacional, nem entrega solene. Eu me vi sozinho, no meio da multidão, empurrado para todos os lados, com a taça debaixo do braço." Sem nenhuma pompa, depois de muito custo, o capitão Obdulio Varela recebeu enfim a Copa que todos pensavam já ter dono. Ninguém nem reparou.

E o Brasil?
Explicando de forma bem pouco científica, aquela era a primeira Seleção Brasileira formada por esses nomes que permaneceram famosos para as gerações futuras. A base da equipe de Flávio Costa eram os atletas que formaram o famoso “Expresso da Vitória” do Vasco da Gama, que ele próprio comandou. Àquela altura, alguns jogadores já haviam até deixado São Januário – como Jair da Rosa Pinto (Palmeiras) e Friaça (São Paulo) - , mas a ideia essencial era repetir com a camisa da Seleção o timaço campeão sul-americano de 1948.

Depois de uma estreia arrebatadora contra o México no Maracanã, o Brasil viajou a São Paulo para fazer sua segunda partida no Pacaembu. Flávio Costa aproveitou para agradar a torcida e encheu o time de jogadores de clubes paulistas, como os são-paulinos Rui, Bauer e Noronha no meio-campo e o corintiano Baltazar “Cabecinha de Ouro” no ataque. Resultado do desentrosamento: acabamos sofrendo o empate em 2 x 2 contra a Suíça e nos vimos obrigados a uma vitória no terceiro jogo da primeira fase. Com gols de Zizinho e Ademir – que então já mostrava sua disposição para ser o artilheiro daquele Mundial – o Brasil marcou 2 x 0 na Iugoslávia. E então sim começou a jogar como favoritíssimo.

A decisão do título aconteceu com um quadrangular entre brasileiros, espanhóis, suecos e uruguaios.
A estreia do Brasil foi para acabar com qualquer dúvida: 7 x 1 sobre a Suécia, com quatro gols de Ademir. Quando o Maracanã comemorou mais uma goleada – 6 x 1 sobre a Espanha – cantando em coro de 150 mil vozes a marchinha “Touradas em Madri”, de Braguinha, o País teve a certeza de que já estava tudo decidido com sobras. Era só questão de jogar por um empate com o Uruguai, que havia empatado com os espanhóis em 2 x 2 e vencido a Suécia no sufoco por 3 x 2.

Aliás, não foi apenas uma vez que uma arrancada do uruguaio Ghiggia pela direita deu vida ao Uruguai. Ao mesmo tempo em que os brasileiros massacravam a Espanha, o Uruguai passava maus bocados diante dos suecos. As equipes empatavam em 2 x 2 até os 40 minutos do segundo tempo – placar que forçaria a realização de um jogo extra mesmo que a Celeste vencesse o Brasil. Foi então que Ghiggia avançou e cruzou para Oscar Miguez manter os uruguaios vivos.

De qualquer forma, era só questão de tempo para o Brasil levantar o troféu. Os 200 mil torcedores que empanturraram o Maracanã passaram os primeiros 45 minutos de jogo fazendo uma festa que virou balbúrdia generalizada quando Friaça fez o que, para todos os efeitos, era o gol do título, no comecinho da segunda parte. Nada mais podia evitar a festa, nem o gol de empate de Schiaffino.

Já fazia tantos dias que o Brasil todo tinha a certeza de ser campeão do mundo que parecia não haver lógica alguma no fato de que um lance, só um lance, pudesse desfazer o que já estava feito, confirmado e celebrado. Por isso, talvez, não haja relatos de que o chute de Ghiggia entre a trave e o goleiro Barbosa tenha gerado desespero; pelo menos não imediatamente. Quem conta alguma coisa, fala de silêncio, de catatonia. A tristeza veio depois, com a imagem dos banquetes públicos largados à sorte dos vira-latas alienados. O Brasil perdeu a Copa e, por um bom tempo, a esperança.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
24/06/1950 BRASIL 4 X 0 México (BRA: Ademir 30"/1º e 34"/2º, Jair 20"/2º, Baltazar 26"/2º) - Rio de Janeiro
28/06/1950 BRASIL 2 X 2 Suíça (BRA: Alfredo 3"/1º, Baltazar 32"/1º; FRA: Jacques Fatton 17"/1º e 43"/2º) - São Paulo
01/07/1950 BRASIL 2 X 0 Iugoslávia (BRA:Ademir 4"/1º, Zizinho 24"/2º) - Rio de Janeiro

Fase final
09/07/1950 BRASIL 7 X 1 Suécia (BRA: Ademir 17" e 36"/1º, 7" e 13"/2º, Chico 39"/1º e 43"/2º, Andersson 22"/2º; SUI: Maneca 40"/2º) - Rio de Janeiro
13/07/1950 BRASIL 6 X 1 Espanha (BRA: Ademir 15"/1º e 12"/2º, Jair 21"/1º, Chico 31"/1º e 10"/2º, Zizinho 22"/2º; ESP: Silvestre Igoa 26"/2º) - São Paulo

A Final
16/07/1950 BRASIL 1 X 2 Uruguai (BRA: Friaça 2"; URU: Schiaffino 21", Ghiggia 34") - Rio de Janeiro

BRASIL
Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo, Bigode, Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Técnico: Flávio Costa
Uruguai
Máspoli, Mathias Gonzáles, Tejera, Gambetta, Varela, Andrade, Ghiggia, Peréz, Miguez, Schiaffino e Morán. Técnico: Ivan López

Fonte: IG

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