O nascimento de uma nação
O Mundial disputado na Suécia foi o primeiro que mundo afora faz questão de assistir
Resumo da Copa
Campeão: Brasil Vice: Suécia 3º lugar: França 4º lugar: Alemanha Oc.
Os artilheiros
Just Fontaine (FRA) 13 gols
Pelé (BRA) 6 gols
Helmut Rahn (FRG) 6 gols
Vavá (BRA) 5 gols
Peter McParland (NIR) 5 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Argentina, Áustria, BRASIL, Escócia, França, Hungria, Inglaterra, Irlanda do Norte, Iugoslávia, México, País de Gales, Paraguai, Suécia, Tchecoslováquia e União Soviética
Sedes
Estocolmo, Gotemburgo, Malmoe, Norrkoeping, Borás, Haelsingborg, Halmstad, Sandviken, Västeras, Eskiesltuna, Orebro e Uddevalla
Público total: 919.580 Jogos: 35 Gols: 126 Média de gols: 3,60
A Copa
Não é absurdo dizer que Suécia-1958 foi o primeiro campeonato mundial de futebol que realmente foi uma Copa do Mundo. Sobretudo se pensarmos em “Copa do Mundo” como aquilo que ela é hoje: um evento quadrienal a que gente mundo afora faz questão de assistir.
Até então, a Copa existia em terceira pessoa, em discurso indireto: relatada pelo rádio ou reverberada pelos jornais. O Mundial da Suécia é o primeiro da vida de muita gente, mesmo de gerações anteriores àquele 1958, porque foi o primeiro com transmissão internacional pela televisão – cortesia do satélite soviético Sputnik II.
Não pense que é por patriotada, portanto, que você tem a impressão de que as primeiras imagens decentes que existem de qualquer Copa são os videotapes em sépia do primeiro titulo mundial brasileiro. São mesmo. E isso provavelmente só ajudou a mitificar ainda mais o Brasil-de-1958: esse meteorito de placidez e futuro próspero que aparentemente desapareceu na nossa estratosfera exatamente à meia-noite do dia 31 de dezembro. O Brasil-de-1958 é o de João Gilberto gravando Chega de Saudade, de Oscar Niemeyer rabiscando Brasília, do governo JK produzindo DKW-Vemag aos borbotões. Era, enfim, um país onde tudo dava certo e, claramente, só tendia a dar mais certo ainda. Foi esse pais, esse Brasil, que ganhou a Copa do Mundo de 1958.
O Mundial, além de ser um torneio cujas imagens se limitavam ao território onde era realizado, havia tido como campeões das cinco edições anteriores países do próprio continente que abrigara a competição. Então de repente apareceu aquele país mágico, cheio de tons de pele e ritmos quebrados, e deflagrou a cintura dura de uma Europa sem-graça, branquela e ruim de bola. A Copa do Mundo nunca mais foi a mesma depois de 1958 e, de certa forma, o Brasil também não. Isso apesar de o Brasil-de-1958 ter durado só aqueles 365 dias que, dizem, não deviam nem ter terminado.
Curiosidades
- Mais de dois por jogo
A Copa foi marcante por um outro recorde que sobrevive até hoje e que não teve a ver com o Brasil. O francês Just Fontaine, que só entrou no time titular por causa da lesão de René Bliard, conseguiu a inacreditável marca de 13 gols numa só edição do Mundial: foram três nos 7 x 3 contra o Paraguai, dois na derrota por 3 x 2 para a Iugoslávia, um nos 2 x 1 sobre a Escócia, dois nos 4 x 0 sobre a Irlanda no Norte, um na semifinal contra o Brasil e mais quatro na decisão de 3º lugar, um 6 x 3 sobre a Alemanha Ocidental. Os que chegaram mais perto até hoje foram o húngaro Kocsis, com 11 gols em 1954, e o alemão Gerd Müller, que anotou dez em 1970.
- Súditos em massa
Tantas décadas depois de já estarem disputando torneios entre si, por fim os países do Reino Unido viajaram juntos para uma Copa do Mundo: pela primeira vez o torneio teve Inglaterra, Escócia, Pais de Gales e Irlanda do Norte como participantes. Curiosamente, os dois últimos – os que menos tradição têm no futebol – foram os que conseguiram passar pela primeira fase: caíram nas quartas-de-final.
- Vias tortas
Pais de Gales, aliás, precisou contar com uma combinação de fatores para acabar chegando na Copa. Depois de terminar em segundo lugar em seu grupo nas eliminatórias, atrás da Tchecoslováquia, os galeses ganharam de presente mais uma chance: tudo porque o Sudão, muçulmano, se recusou a enfrentar Israel. Os israelenses deveriam, então, se classificar automaticamente, mas a FIFA havia imposto uma regra que exigia que todo país, com exceção do detentor do título e do campeão, tinha que disputar ao menos uma partida classificatória para ganhar direito de ir à Copa. Israel precisaria, portanto, jogar um play-off decisivo contra o segundo colocado de algum grupo europeu. A vaga seria da Bélgica, mas essa se recusou a jogar. Sobrou, finalmente, Pais de Gales. Os britânicos ganharam ambas partidas por 2 x 0 e asseguraram a viagem à Suécia.
- O Desastre de Munique
Como acontecera com a Itália da Copa de 1950, a Inglaterra teve sua seleção desfalcada de maneira trágica: por um desastre aéreo. Em fevereiro de 1958, o avião que levava o Manchester United de Belgrado de volta à Inglaterra fez uma parada para reabastecimento em Munique. Depois de duas tentativas frustradas de decolar por causa de problemas no motor, o piloto decidiu tentar outra vez. O avião sofreu uma explosão e caiu: 23 das 44 pessoas a bordo morreram, inclusive uma das grandes promessas do futebol britânico, Duncan Edwards.
- Balança comercial
O Paraguai fez uma campanha interessante e por pouco não conseguiu vaga nas quartas: perdeu por 7 x 3 para a França, derrotou a Escócia por 3 x 2 e, finalmente, empatou em 3 x 3 com a Iugoslávia. O talento para marcar gols não passou desapercebido: ao longo do torneio, um total de oito jogadores da equipe sul-americana acertou sua transferência para clubes europeus.
- Amarelo que te quero azul
A final contra os suecos foi a primeira partida da história da Seleção Brasileira jogando de azul. Acontece que os suecos também jogavam de amarelo e, por sorteio, ganharam o direito de usar sua camisa número um na decisão. Restou ao Brasil escolher entre branco, verde ou azul. O branco, abandonado depois da derrota para o Uruguai em 1950, estava fora de cogitação. O chefe da delegação Paulo Machado de Carvalho ficou com o azul, cor do manto de Nossa Senhora Aparecida. Um dia antes do jogo, os dirigentes brasileiros saíram à rua para comprar um jogo de camisas, retiraram os números e distintivos da CBD do uniforme amarelo e os bordaram naquela que era a nova camisa da Seleção.
- Ondas curtas
Além de dentista da Seleção e um dos pioneiros da odontologia esportiva no Pais, Mário Trigo ainda tinha um papel importante no grupo como animador, com seu talento para arrancar risos dos jogadores. Ele é a fonte, verdadeira ou não, de boa parte das histórias que se contam sobre Garrincha, como a do rádio sueco. Diz o Dr. Trigo que, quando Mané Garrincha voltou das ruas de Estocolmo com um lindo rádio transistorizado que custara 180 coroas, o massagista Mário Américo observou bem o aparato e lamentou que o bichinho “só falava sueco”. Garrincha ficou desolado com a perspectiva de escutar rádio em sueco nas férias em Pau Grande e aceitou a proposta de Américo, que comprava o rádio por 90 coroas, para que o prejuízo do ponta-direita não fosse tão grande. Mário Trigo conta que foi até Paulo Machado de Carvalho, pediu-lhe 180 coroas e comprou um rádio novo para Garrincha, esclarecendo que aquele era um autêntico poliglota, que logo falaria um português dos bons quando chegasse ao Brasil. Se é verdadeira ou não, é outro assunto, mas de toda forma a história tem o mérito de ter entrado para o folclore do futebol brasileiro.
- Que rei é você?
Mais Mário Trigo: conta-se que, depois que o rei sueco Gustavo Adolfo já havia cumprimentado um a um os jogadores brasileiros, o dentista não teve dúvidas em chamar o monarca para que fizesse o mesmo com os membros da delegação: “Come here, king!”, teria dito o Dr. Trigo, puxando Gustavo Adolfo pelo prazo com bem pouco protocolo e lhe apresentando o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, com a devida explicação que “this is the boss”. O despojamento no trato com a realeza causou encanto no próprio Gustavo e nos abismados jornalistas suecos.
E o Brasil?
O imaginário do Brasil irretocável de 1958 tem na Copa do Mundo um longa-metragem de cenas simbólicas. Foi tudo tão surreal que até nossa capacidade de organização fora do campo foi louvada e imitada por outros países. A Seleção Brasileira acostumada a politicagens e amadorismos teve, ao contrário, um planejamento profissionalíssimo nas mãos de Paulo Machado de Carvalho, com direito a comissão técnica com psicólogo (João Carvalhaes) e dentista (Mário Trigo) – o que, na época, era visto como um luxo, para não dizer frescura.
E olha que nem foi tão fácil assim se classificar para aquele Mundial. Nas Eliminatórias, caímos no grupo do Peru e da Venezuela, que desistiu da disputa. Depois de um empate em Lima por 1 x 1, o Brasil precisou de uma salvadora folha-seca de Didi no Maracanã lotado para fazer 1 x 0 nos peruanos e acabar com a agonia.
Tudo na campanha do Brasil foi histórico. Todo jogo teve pelo menos um significado transcendental. A estreia, o 3 x 0 sobre a Áustria, foi, para todos os efeitos, “o dia oficial em que o lateral deixou de ser um zagueiro”. Os europeus simplesmente não conseguiam entender como Nilton Santos ousou atravessar aquelas dezenas de metros para se juntar ao ataque e fazer um dos gols brasileiros. Ele, um lateral. Aquilo, em Viena, se chamava irresponsabilidade, e das feias.
Brasil e Inglaterra foi o primeiro 0 x 0 da história das Copas, e também a última vez em que se utilizavam com naturalidade as palavras “banco de reserva”, “Pelé” e “Garrincha” numa mesma frase. No confronto decisivo contra os temíveis soviéticos – que, afinal, eram aqueles seres biônicos capazes de pendurar satélites no espaço sideral – há quem diga que foram jogados os três minutos mais fantásticos da história do futebol. Não por acaso, os três primeiros minutos de Garrincha e Pelé numa Copa do Mundo. Em 180 segundos, o Brasil acertou duas bolas na trave de Lev Yashin, Garrincha destroncou quatro colunas vertebrais e Vavá marcou um gol. A União Soviética foi a primeira vitima do time que realmente conquistaria o mundo: o time de Gilmar, de Zito, de Vavá, mas também e sobretudo de Pelé e Garrincha.
Se os 2 x 0 sobre os soviéticos foram a apresentação formal de Garrincha ao mundo, o jogo de quartas-de-final contra Pais de Gales foi a première de Pelé. Contra um time bruto e retrancado, aquele não era um jogo em que era fácil marcar um gol. Era um jogo daqueles de separar os homens dos garotinhos. Ou, naquele caso, de separar um garotinho de todos os outros garotinhos. O próprio Pelé, já devidamente consagrado, admitiria que aquele gol da vitória brasileira – seu primeiro em Copas do Mundo, aos 17 anos – foi mais importante do que todos os outros 1295 de sua carreira. Com um balãozinho em cima do zagueiro e um chute prensado, Pelé fez 1 x 0 e classificou o Brasil para a semifinal. Estava acesa a chispa que faltava para Edson Arantes do Nascimento acreditar que, sim, era o melhor jogador de futebol do planeta, apesar de ainda nem ter barba na cara.
A partir daí, a história definitivamente vira conto de fadas, porque o enredo já começa a ser um tanto caprichado demais para ser verossímil. Semifinal: contra a França, o tal Pelé marca três gols num acintoso 5 x 2. Depois disso, com tanto futebol (e, segundo se conta, com tanto amor para dar dos nossos rapazes trigueiros às lourinhas suecas), o estádio Rasuna de Estocolmo quase não tinha coragem de torcer para os donos da casa no dia da final. A Suécia era um timaço, que recém-readmitira os jogadores profissionais em seu elenco – o que significava que contava com a dupla Gunnar Gren e Nils Liedholm, craques do Milan e do time campeão olímpico em 1948.
Foi Liedholm, aliás, que fez 1 x 0 para os anfitriões no comecinho da decisão e, indiretamente, provocou outra das cenas emblemáticas daquele Brasil. Imediatamente, Didi foi até dentro do gol buscar a bola e sem pressa a levou debaixo do braço até o meio do campo, como se soubesse que aquele 1958 não podia terminar assim, de súbito, em pleno junho. Vavá marcou dois gols, Pelé terminou de se consagrar com mais dois – um deles fenomenal, depois de chapéu num zagueiro sueco que ainda tentou arrancar-lhe a coxa – e o Brasil marcou outro 5 x 2. Bellini levantou a taça, e o mundo se rendeu de vez a tudo o que o Brasil parecia ser, queria ser, poderia ser e, ao menos dentro de campo, realmente era: um país de sonho.
A Campanha do Brasil
Primeira fase
08/06/1958 BRASIL 3 X 0 Áustria (BRA: Mazolla 38"/1º e 44"/2º, Nilton Santos 5"/2º) - Udevalla
11/06/1958 BRASIL 0 X 0 Inglaterra - Gotemburgo
15/06/1958 BRASIL 2 X 0 URSS (BRA: Vavá 2"/1º e 20"/2º) - Gotemburgo
Quartas-de-final
19/06/1958 BRASIL 1 X 0 País de Gales (BRA: Pelé 21"/2º) - Gotemburgo
Semifinal
24/06/1958 BRASIL 5 X 2 França (BRA: Vavá 2"/1º, Didi 39"/1º, Pelé 7", 19" e 30"/2º; FRA: Just Fontaine 9"/1º,
Piantoni 38"/2º) - Estocolmo
A Final
29/06/1958 BRASIL 5 X 2 Suécia (BRA: Vavá 9" e 32"/1º, Pelé 10" e 45"/2º, Zagallo 23"/2º; SUE: Liedholm 4"/1º,
Simonsson 35"/2º) - Estocolmo
BRASIL
Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito, Didi, Pelé, Garrincha, Vavá e Zagallo. Técnico: Vicente Feola
Suécia
Svensson, Bergmark, Axbom, Liedholm, Parling, Hamrin, Gren, Simonsson, Skoglund, Gustavsson e Borjesson. Técnico: George Raynor (ENG)
Fonte: IG
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