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quinta-feira, maio 27, 2010

Histórias das Copas: 1962 no Chile

Só a idade muda
No Chile, o Brasil “arriscou”, manteve a base campeã de 1958 e se deu bem



Resumo da Copa
Campeão:
Brasil Vice: Tchecoslováquia 3º lugar: Chile 4º lugar: Iugoslávia
Os artilheiros
Florian Albert (HUN) 4 gols
Valentin Ivanov (URS) 4 gols
Garrincha (BRA) 4 gols
Vavá (BRA) 4 gols
Drazen jerkovic (YUG) 4 gols
Leonel Sánchez (CHI) 4 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Argentina, BRASIL, Bulgária, Chile, Colômbia, Espanha, Hungria, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Suíça, Tchecoslováquia, União Soviética e Uruguai
Sedes
Santiago, Viña del Mar, Arica e Rancagua
Público total: 899.074 Jogos: 32 Gols: 89 Média de gols: 2,78

A Copa
A história das Copas do Mundo é pródiga em demonstrar que, no futebol, o conceito de “geração” é dos mais voláteis. Um país pode juntar quantos craques for numa edição: dificilmente eles permanecerão no mesmo nível – ou ao menos terão tanto sucesso - quatro anos depois, na Copa seguinte. É coisa para pouquíssimos.

Foi relativamente arriscada, então, a estratégia de Paulo Machado de Carvalho de tentar repetir ipsis litteris a campanha da Seleção Brasileira campeã do mundo na Suécia em 1958. Mas, se o chefe da delegação vestiu o mesmíssimo terno durante as partidas e exigiu que quem pilotasse o avião até o Chile fosse o comandante que levou o Brasil à Suécia quatro anos antes, como não esperar que os jogadores fossem os mesmos? Os brasileiros tinham apenas duas novidades com relação ao time titular da final de 58 – a dupla de zaga Bellini/Orlando deu lugar a Mauro/Zózimo – e se tornaram os campeões mundiais que utilizaram menos atletas até hoje: apenas 12. E isso porque esse 12º elemento, Amarildo, só entrou em campo por causa da lesão muscular de Pelé na segunda partida, contra a Tchecoslováquia.

Além disso, o Brasil de 62 também é a equipe com média de idade mais alta a conquistar uma Copa: mais de 27 anos. Apesar da quantidade de trintões e da ausência de Pelé, a Seleção repetiu aquilo que apenas a Itália de Vittorio Pozzo já havia feito em 1934/38 e que ninguém voltou a fazer: defendeu seu título.

A terceira Copa do Mundo realizada em solo sul-americano foi um sucesso, não apenas por causa do surpreendente bom desempenho dos chilenos dentro de campo, mas também pela incerteza que havia quanto à capacidade do país de receber o evento. Dois anos antes do Mundial, em maio de 1960, o Chile foi acometido pelo maior terremoto do século 20 – um tremor que atingiu 9,5 graus na escala Richter. Apesar dos danos na infra-estrutura do país todo, o presidente do comitê organizador da Copa, Carlos Dittborn, insistiu junto à FIFA que as obras seriam todas realizadas e que o torneio aconteceria sem contratempos. Àquela época, rodeado de incerteza e escombros, Dittborn disse a frase que se tornou uma espécie de slogan não-oficial do Mundial: “Porque no tenemos nada, queremos hacerlo todo” (“Porque não temos nada, queremos fazer tudo”).

Tudo deu certo, menos a única coisa que não se podia prever ou evitar. O Chile construiu e reconstruiu, recebeu a Copa do Mundo que teve sua seleção alcançando o terceiro lugar, mas Dittborn não assistiu a nada disso. Um mês antes do início do torneio, aos 38 anos, o dirigente teve uma parada cardíaca. O estádio de Arica, uma das sedes daquele Mundial, leva seu nome até hoje.

Curiosidades
- A festa é nossa
A União Soviética campeã europeia de 1960, considerada a maior ameaça aos brasileiros, decepcionou e caiu nas quartas-de-final contra o Chile. Na ocasião, o mítico goleiro Lev Yashin, o “Aranha Negra”, protagonizou um dos lances mais curiosos daquela Copa: quando o chileno Eladio Rojas marcou o segundo gol, não aguentou de tanta emoção por ter superado o maior goleiro do mundo e correu extasiado para abraçar... o próprio Yashin! O goleirão soviético ainda participou de outro momento notável: foi ele quem sofreu o único gol olímpico da história das Copas até hoje, marcado pelo colombiano Marcos Coll num empate em 4 x 4.

- O caminho do bem
Pena que os clipes de fair play ainda não existiam na época, porque teriam um astro no soviético Igor Netto. Durante o jogo contra o Uruguai, ele foi imediatamente até o árbitro italiano Cesare Jonni quando este assinalou um gol marcado por seu companheiro Igor Chislenko. Netto explicou que a bola na realidade havia acertado a rede por fora e solicitou ao italiano que invalidasse o gol. Mesmo assim, a URSS acabou vencedor por 2 x 1.

- Homem-a-homem
Os defensores ingleses mostraram ter sérias dificuldades para parar os dribles de Garrincha na partida de quartas-de-final que o Brasil venceu por 3 x 1, mas pelo menos o artilheiro do time, Jimmy Greaves, mostrou que não havia ginga que pudesse com ele. No segundo tempo, o árbitro precisou interromper a partida porque um vira-latinha indolente resolveu invadir o gramado. O cachorro escapou de um bocado de investidas para agarrá-lo, mas não resistiu ao método de Greaves, que ficou de quatro, se aproximou vagarosamente e deu um bote preciso no cangote do bichinho. Como prova cabal de sua valentia, o inglês ainda recebeu um jatinho de urina na sua camisa.

- Aqui é o meu país
Três dias antes da Copa do Mundo, a FIFA se reuniu em Santiago e decidiu que, a partir do Mundial seguinte, um jogador só poderia defender uma seleção se nunca houvesse disputado partidas oficiais por outro país antes. Um dos grandes motivos que impulsionou a mudança foi a seleção espanhola, que só naquela Copa reuniu o ex-argentino Alfredo Di Stéfano (que, lesionado, não chegou a jogar) e o ex-húngaro Ferenc Puskas.

- Mas mantenha o respeito
Apesar de sua participação na Copa do Mundo ter durado pouco, Pelé viveu um momento emblemático de sua carreira no Chile: depois de se lesionar na partida contra a Tchecoslováquia, num tempo em que não havia substituições no decorrer os jogos, o Rei, manco, encostou na ponta-esquerda. Em cada uma das poucas vezes que recebia a bola, o brasileiro via os marcadores tchecoslovacos pararem e esperarem que ele a devolvesse para outro jogador. Ninguém teve coragem de se aproveitar da situação.

- “Batalha de Santiago”
A segunda partida do Chile na Copa, contra a Itália, ficou conhecida por esse singelo apelido. Acontece que uns dias antes do confronto dois jornalistas, Antonio Ghirelli e Corrado Pizzinelli, escreveram em seus textos para jornais italianos comentários que criticavam a infra-estrutura das cidades chilenas e, digamos, colocavam em dúvida a moralidade das mulheres do país. Foi um estopim mais eficiente que se imaginava: a partida acabou se tornando uma carnificina, em que o árbitro britânico Ken Aston – que futuramente inventaria os cartões amarelo e vermelho – expulsou dois jogadores da Itália: Giorgio Ferrini e Mario David – este último, por exemplo, porque acertou, veja bem, uma voadora no pescoço de Leonel Sánchez depois que este, filho de um boxeador, quebrara o nariz de Umberto Maschio. Enfim, o Chile venceu por 2 x 0 e os italianos voltaram para casa mais cedo. Aliás, no caso dos dois jornalistas, mais cedo ainda: temendo por sua segurança, os dois sequer ficaram até o final da primeira fase.

- Cautela, mortadela
Paulo Machado de Carvalho, sabendo quão a sério os chilenos levavam aquela Copa e prevendo a pressão que a equipe sofreria na semifinal contra os donos da casa em Santiago, decidiu que a Seleção permaneceria concentrada em Viña del Mar. Os brasileiros só chegaram de trem à capital horas antes da partida. Reza a lenda que, naquela manhã, os dirigentes foram às ruas comprar pão, queijo e mortadela para dar de comer aos jogadores, por medo de que algum chileno mais fanático sabotasse a comida do hotel.

- Paso doble
Os espanhóis, que com Puskas, Gento, Di Stéfano e companhia se sentiam favoritos, saíram loucos da vida do confronto diante do Brasil. Não apenas porque acabaram eliminados por um tal Amarildo que nenhum deles jamais havia visto, mas porque quando o jogo ainda estava empatado em 1 x 1 Nilton Santos cometeu um pênalti sobre um atacante espanhol, na lateral da área. O brasileiro, então, calmamente para não dar bandeira, deu dois passinhos para além da risca da grande área e fez cara de quem concordava com a marcação. O árbitro chileno Sergio Bustamante se aproximou e, diante daquilo, na dúvida, marcou falta fora da área.

E o Brasil?
No final das contas, o que mais mudou no Brasil foi seu banco de reservas: pelas novidades no elenco, mas principalmente porque o comandante não foi Vicente Feola – campeão do mundo em 58 e que voltaria a assumir a Seleção antes da Copa seguinte, de 1966. Feola enfrentava problemas de saúde e, em 61, foi substituído por Aymoré Moreira.

Mas a verdade é que não havia muita dúvida sobre o que fazer com um time que tinha nada menos que Gilmar, Djalma Santos, Nilton Santos, Zito, Didi, Pelé, Garrincha, Vavá e Zagallo como remanescentes dos 5 x 2 na decisão contra a Suécia em 1958. Bastava ver a máquina funcionar. Isso era o que se pensava depois da estreia contra o México e até o começo do segundo jogo, contra a Tchecoslováquia. Foi então que, num chute a gol, Pelé sentiu um puxão na virilha e saiu carregado de campo. Depois de uma análise clínica na concentração, ficou claro: a lesão não permitiria que o Rei voltasse a jogar naquela Copa.

A partir daí é que começam de verdade as duas grandes histórias daquele Mundial. Primeiro, claro, aquela que redefiniu as bases do termo “ser colocado na fogueira”. Porque uma coisa é Pelé sair do time e outra é saber que alguém terá a missão inglória de substituí-lo. Num jogo em que o Brasil corria o risco de ser eliminado, a equipe terminou o 1º tempo perdendo por 1 x 0 para a Espanha de Puskas e Gento. Até que entrou em cena aquele a quem a imprensa internacional vinha se referindo simplesmente como “o desconhecido”: o botafoguense Amarildo, novo titular do time no lugar do camisa 10. Com dois gols dele, o Brasil virou o jogo e colocou na sua cabeça para não tirar mais: podia ganhar mesmo sem Pelé.

Sem Pelé, mas, justamente por isso, com mais Garrincha do que nunca. A Copa do Mundo de 1962 garantiu que o ponta-direita entrasse para a história não apenas como o jogador mais divertido de todos os tempos ou o coadjuvante de luxo mais luxuoso que qualquer campeão mundial já teve. São poucos os sujeitos que ganham o direito de se tornarem proprietários de uma Copa. “A Copa de fulano” não é coisa que se diga assim, impunemente, sobre o primeiro cara que marca um gol decisivo aqui ou ali. Mas aquela, sim, foi “a Copa do Garrincha” e ninguém jamais discutiu isso.

Com toda sua aparente leviandade e ingenuidade, Mané era inteligente e sensível o suficiente para perceber que, sem Pelé, ser um ponta-direita infernal e driblador não bastaria para que o Brasil saísse bicampeão. Garrincha marcou dois gols nas quartas-de-final e outros dois na semifinal contra os donos da casa – um jogo em que acabou expulso. Por alguma razão que até hoje a diplomacia de bastidores soube esconder, o brasileiro não foi suspenso e pôde disputar tranquilamente a final contra os tchecos. O que era para ser o mesmíssimo Brasil de 1958 no fim saiu mais diferente do que o imaginado, mas o mais importante permaneceu igual: nosso zagueirão de porte elegante - dessa vez Mauro Ramos de Oliveira, não Bellini - levantou a taça.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
30/05/1962 BRASIL 2 X 0 México (BRA: Zagallo 11"/2º, Pelé 28"/2º) - Viña del Mar
02/06/1962 BRASIL 0 X 0 Tchecoslováquia - Viña del Mar
06/06/1962 BRASIL 2 X 1 Espanha (BRA: Amarildo 27" e 41"/2º; ESP: Adelardo Rodriguez 35"/1º) - Viña del Mar

Quartas-de-final
10/06/1962 BRASIL 3 X 1 Inglaterra (BRA: Garrincha 31"/1º e 14"/2º, Vavá 8"/2º; ING: Gerald Hitchens 38"/1º) - Viña del Mar

Semifinal
13/06/1962 BRASIL 4 X 2 Chile (BRA: Garrincha 9" e 32"/1º, Vavá 2" e 33"/2º
Leonel Sánchez 16"/2º; CHI: Jorge Toro 42"/1º) - Santiago

A Final
17/06/1962 BRASIL 3 X 1 Tchecoslováquia (BRA: Amarildo 17"/1º, Zito 24"/2º, Vavá 33"/2º; TCH: Masopust 15"/1º) - Santiago

BRASIL
Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito, Didi, Amarildo, Garrincha, Vavá e Zagallo. Técnico: Aymoré Moreira
Tchecoslováquia
Schroif, Popluhar, Novak, Pluskal, Masopust, Scherer, Jelinek, Tichy, Pospichal, Kadraba e Kvasnak. Técnico: Rudolf Vytlacil

Fonte: IG

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