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sexta-feira, maio 28, 2010

Histórias das Copas: 1966 na Inglaterra

Direito divino
Era inconcebível que o English Team ainda não tivesse um titulo sequer. E então...



Resumo da Copa
Campeão:
Inglaterra Vice: Alemanha Oc. 3º lugar: Portugal 4º lugar: URSS.
Os artilheiros
Eusébio (POR) 9 gols
Helmut Haller (FRG) 6 gols
Valery Porkujan (RUS) 6 gols
Geoff Hurst (ENG) 6 gols
Ferenc Bene (HUN) 4 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Argentina, BRASIL, Bulgária, Chile, Coreia do Sul, Espanha, França, Hungria, Inglaterra, Itália, México, Portugal, Suíça, URSS e Uruguai
Sedes
Londres, Liverpool, Sheffield, Sunderland, Birmingham, Manchester e Middlesbrough
Público total: 1.614.677 Jogos:32 Gols: 89 Média de gols: 2,78

A Copa
É muito mais fácil, para não dizer mais divertido, elaborar um enredo conspiratório do que admitir que algo trivial – como uma equipe ganhar mais partidas que as demais – aconteceu. Portanto, não é de estranhar que a imagem da Copa do Mundo de 1966 que ficou para o imaginário popular, sobretudo na América do Sul, seja das mais duvidosas.

Foram os ingleses que inventaram o jogo do futebol tal como se conhece e, àquela altura, sua federação nacional tinha uma importância nos meandros políticos do jogo incomparavelmente maior do que a de qualquer outro pais. Era inconcebível, então, que depois de sete edições do Mundial o English Team ainda não houvesse conquistado um titulo sequer, enquanto italianos e – vergonha! – Brasil e Uruguai, dois representantes daquele fim de mundo colonizado do lado de lá do Atlântico, já tivessem dois cada um. Era questão de honra que, diante de Sua Majestade Elizabeth II, a seleção inglesa se fizesse respeitar, o que só seria possível com o titulo. Qualquer outro resultado seria considerado um fracasso.

Dentro de um contexto desses, uma Copa do Mundo tão cheia de polêmica, e de polêmicas que sempre tiveram a Inglaterra do lado favorecido, passou para a história quase como um atestado de desonestidade. Após uma primeira fase opaca, em que empatou em 0 x 0 com o Uruguai e venceu França e México por 2 x 0, a seleção de Alf Ramsey começou a ter seu nome associado com arbitragens duvidosas a partir das quartas-de-final, quando o argentino Rattín foi expulso em situação esquisita (leia mais abaixo). Com um jogador a mais, os ingleses fizeram 1 x 0, gol do centroavante Geoff Hurst – que até então havia marcado apenas uma vez com a camisa da seleção inglesa.

Para eurocentristas e conspiradores não terem do que reclamar, as semifinais foram inteiramente europeias: a última vez que isso aconteceria até 2006. Inglaterra x Portugal supostamente seria disputado em Liverpool, mas uma intervenção meio mal explicada da federação inglesa conseguiu levar o jogo para Wembley. Era a penúltima situação que colocava todos os dedos indicadores apontados para os ingleses. Faltava a decisão contra a Alemanha Ocidental, que, como convinha ao enredo, tornou-se a mais controversa da história. Depois de abrir 2 x 1 e sofrer o empate no último minuto do tempo regulamentar, os ingleses foram à prorrogação sob pressão. Só os ingleses? Ou também o trio de arbitragem? Aí é que reside a maior sombra sobre aquela Copa do Mundo. Mais precisamente, sobre a linha do gol alemão, aos 11 minutos da prorrogação.

Muita gente duvidou que a bola do segundo gol de Geoff Hurst na partida, o que deu a vantagem de 3 x 2 à Inglaterra, tenha entrado. Décadas depois, com reproduções digitais, chegou-se a garantir que o chute acertou o travessão e quicou fora do gol. Na época não havia dúzias de câmeras, então a imagem que se perpetuou foi a de dúvida. Para amenizar ainda mais, Hurst marcou mais um, tornando-se o primeiro a conseguir um hat-trick numa final de Copa. O placar de 4 x 2 serviu para aparentemente legitimar o que o mundo do futebol considera até hoje o mais ilegítimo dos títulos mundiais. Coincidência ou não, desde a aventura em casa a Inglaterra nunca mais voltou a levantar a taça.

Curiosidades
- God Save the Dog
Em março, três meses antes da Copa do Mundo, a organização inglesa viveu provavelmente seu momento mais tenso: é que a taça Jules Rimet foi roubada do Central Hall de Westminster, em Londres, onde estava exposta. Enquanto uma missa acontecia em outra ala do edifício, ladrões entraram e surrupiaram o troféu. Apos uns dias de apreensão e acusações por parte dos brasileiros (que eram os donos da taça naquele momento e diziam que no Brasil isso jamais aconteceria), finalmente tudo foi resolvido com... picles! Isto é, “Pickles”, o cachorrinho que, num passeio trivial com seu dono, percebeu que havia algo mais dourado e gelado que o normal em seu tradicional arbusto à beira da calçada. A Inglaterra ganhou seu primeiro herói da Copa e respirou aliviada pela taça que seria sua dali a alguns meses.

- Comuna das zebras
A Coreia do Norte chegou à Copa depois de derrotar a Austrália num playoff eliminatório que só aconteceu porque os demais países asiáticos, e também todos os africanos, boicotaram o Mundial, pois achavam injusto que tivessem direito a apenas uma vaga dividida entre os dois continentes. Todos esperavam que os norte-coreanos fossem a rebarba daquela Copa; uma atração de circo vinda diretamente dos confins do comunismo, cujo hino nacional sequer podia ser executado (por medo de propaganda subliminar ou coisa parecida, supõe-se). Pois eles acabaram sendo a grande surpresa do torneio: depois de perder para os camaradas da URSS e empatarem com o Chile, os asiáticos concretizaram uma das maiores zebras da história ao derrotarem a Itália por 1 x 0 e se classificarem para as quartas-de-final. Por pouco o sonho não foi ainda mais longe, já que diante de Portugal a equipe do Comandante Kim Il-sung abriu 3 x 0 com meia hora de jogo. Só que Eusébio decidiu que seria ele, e não a Coreia do Norte, o nome daquela Copa: marcou quatro gols, liderou a virada por 5 x 3 e acabou com a aventura guevarista.

- Linguagem universal
A partida de quartas-de-final contra a Inglaterra até hoje é conhecida na Argentina simplesmente como “El Robo del Siglo”, o roubo do século. É que no auge de um 0 x 0 batalhado, o árbitro alemão Rudolf Kreitlein decidiu expulsar o argentino Antonio Rattín por “abuso da linguagem”. Isso embora o alemão não entendesse patavina da única linguagem que Rattín falava, o espanhol. O zagueiro se recusou a sair de campo, depois sentou-se no tapete vermelho sobre o qual apenas a Rainha podia caminhar e, escoltado por dois policiais, ainda amassou uma bandeirola britânica antes de descer para o vestiário. Se ainda faltava alguma disputa por posse de ilhas para piorar o assunto, o certo é que ali, naquela vitória inglesa por 1 x 0 com um homem a mais, nascia a rivalidade entre Argentina e Inglaterra.

- Queimando tudo até o último ponta
A Inglaterra comandada por Alf Ramsey em 1966 é tida historicamente como a precursora do 4-4-2, o esquema que só se tornaria praxe mais de 20 anos depois daquele Mundial. O que no princípio era visto como uma turma de retranqueiros, após o títulos se tornaram os “Wingless Wonders” (“Maravilha Sem Pontas”): foi uma revolução ter uma equipe que não jogava com um atacante aberto em cada lado do campo e, em vez disso, reforçava seu meio-campo.

- Fogo amigo
O estilo de jogo dos ingleses era tão pouco chamativo que até gente da própria Football Association chegou a pedir ao técnico Alf Ramsey que cortasse do elenco o volante Nobby Stiles, por causa de uma entrada dura deste sobre o francês Jacques Simon ainda na primeira fase. Mas Ramsey se manteve firme e abraçou o pragmatismo, a truculência e o que mais fosse preciso para acabar com o tabu dos ingleses.

- Para a história
Se não deu resultados dentro do campo, pelo menos a convocação brasileira serviu para estabelecer algumas marcas: o ponta-esquerda Edu, do Santos, tornou-se o jogador mais jovem até então a ser inscrito numa Copa do Mundo, com 16 anos. Já Amarildo foi o primeiro dos “estrangeiros” que hoje dominam todas as convocações da Seleção Brasileira. O atacante do Milan foi o primeiro atleta que atuava no exterior a ser chamado para a Seleção: fez parte do gigantesco elenco que se preparou no Brasil.

- O Dito pelo não Dito
Entre as histórias incríveis do período de preparação da Seleção há uma que parece constrangedora demais para ser verdade, embora muita gente garanta que foi assim mesmo: comenta-se que um dirigente da CBD teria sugerido que a comissão técnica incluísse mais gente do Corinthians no elenco (já que ele era enorme mesmo...). Teria sido sugerida a convocação do zagueiro Ditão. Só que, na hora de escrever os nomes dos convocados, alguém teria preenchido o nome de outro Ditão, o do Flamengo. A comissão técnica teria deixado as coisas assim mesmo, para não passar pelo papelão de ter que admitir um erro daqueles.

- Café pequeno
Se vê que a Copa de 1966, para a Seleção, valeu mais pelo anedotário que qualquer outra coisa: outro momento digno de destaque foi um comunicado que a CBD recebeu da Football Association da Inglaterra. A missiva informava em tom respeitoso que o cafezinho tão apreciado pelos brasileiros seria considerado estimulante durante o Mundial. A CBD respondeu na mesma moeda: disse aos ingleses que fossem tratar diretamente com o Instituto Brasileiro do Café – órgão do Governo Federal – e que, além do mais, o chá das cinco da tarde era mais estimulante ainda. Ninguém foi pego no exame antidoping, nem com café, nem com chá.

E o Brasil?
Depois de conquistar o titulo mundial, a Seleção se torna atração por toda a parte, dentro e fora do Brasil. A preparação para a Copa do Mundo seguinte, então, se torna uma Caravana Holiday que viaja mambembe de um lado a outro sob aplausos e balbúrdia. O futebol, então, acaba deixado meio de lado, e isso fica evidente nos resultados.

Não pense que você acessou a história da Copa errada, não: 40 anos antes de 2006, na Alemanha, o Brasil já tinha sua receita paa implodir um favoritismo. Tudo começou com a excêntrica fórmula para definir o elenco adotada pelo técnico Vicente Feola – o comandante da Seleção campeã de 1958. Durante o período de preparação, foi armado um batalhão que chegou a ter 47 jogadores! Toda essa entourage viajou por cinco cidades diferentes no Brasil (Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói) antes de embarcar para a Europa com os 23 desentrosados restantes.

Supostamente, aquela seria a equipe brasileira ideal, que juntava boa parte dos bicampeões mundiais em 58 e 62 com a geração que encantaria o mundo em 70. Mas, por diferentes e às vezes indecifráveis razões, não foi assim. Pelé, então com 26 anos, supostamente no auge de sua carreira, se juntou ao grupo lesionado. Há quem também acuse a troca de preparador físico – Paulo Amaral por Rudolf Hernanny, cujos métodos vindos do judô ainda não haviam sido devidamente testados no futebol. Além de organização, faltava gás para o Brasil nos minutos finais? Junte-se isso tudo mais a quantidade de pancadas que os brasileiros, mais visados que nunca, levavam dos adversários e a presença de duas boas equipes no nosso grupo da primeira fase e voilà: eis nossa eliminação precoce.

A estreia contra a Bulgária em Liverpool acabou sendo, para a história, uma despedida: aquela foi a última vez que Pelé e Garrincha jogaram juntos. Com os dois em campo, o Brasil nunca perdeu uma partida sequer. Cada um marcou um gol naquele 2 x 0, mas Pelé saiu de campo inchado de tanta botinada. Ficou de fora da partida seguinte, uma derrota por 3 x 1 para a Hungria. Voltou diante de Portugal, cuja estratégia foi a de devidamente abalroar o Rei para evitar problemas. Outra vez caçado, outra vez lesionado, Pelé pouco pôde fazer para evitar mais uma derrota por 3 x 1, com dois gols de Eusébio, o Pantera Negra. Era assim que, melancólica, nossa Caravana Holiday chegava ao presumível Bye Bye, Brasil. Os então bicampeões mundiais ficavam em terceiro lugar num grupo de quatro equipes e retornavam a casa com a missão incompleta, mas, como se veria quatro anos depois, com a lição aprendida.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
12/07/1966 BRASIL 2 X 0 Bulgária (BRA: Pelé 15"/1º, Garrincha 18"/2º) - Liverpool
15/07/1966 BRASIL 1 X 3 Hungria (BRA: Tostão 14"/1º; HUN: Bene 2"/1º, Farkas 19"/2º, Mészõly 28"/2º) - Liverpool
19/07/1966 BRASIL 1 X 3 Portugal (BRA: Simões 15"/1º; POR: Rildo 25"/2º, Eusébio 27"/1º e 40"/2º) - Liverpool

A Final
30/07/1966 Inglaterra 4 X 2 Alemanha (ING: Hurst 18"/1º, 11"/1º e 15" do 2º da prorrogação
Peters 33"/2º; ALE: Haller 12"/1º, Weber 44"/2º) - Londres

Inglaterra
Banks, Cohen, Wilson, Stiles, Jack Charlton, Bobby Moore, Ball, Bobby Charlton, Hurst, Peters e Hunt. Técnico: Alf Ramsey
Alemanha
Tilkowski, Hoettges, Schnellinger, Beckenbauer, Schulz, Weber, Haller, Uwe-Seeler, Held, Emmerich, Overath. Técnico: Helmut Schoen

Fonte: IG

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