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sábado, maio 29, 2010

Histórias das Copas: 1970 no México

Meu tempo é hoje
A Copa do Mundo de 1970 marcou o ápice, ou pelo menos o ponto de convergência, do futebol



Resumo da Copa
Campeão:
Brasil Vice: Itália 3º lugar: Alemanha Oc. 4º lugar: Uruguai
Os artilheiros
Gerd Müller (FRG) 10 gols
Jairzinho (BRA) 7 gols
Teófilo Cubillas (PER) 5 gols
Anatoly Bishovets (URS) 4 gols
Pelé (BRA) 4 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Bélgica, BRASIL, Bulgária, El Salvador, Inglaterra, Israel, Itália, Marrocos, México, Peru, Romênia, Suécia, Tchecoslováquia, União Soviética, Uruguai
Sedes
Cidade do México, Guadalajara, León, Puebla e Toluca
Público total: 1.603.975 Jogos: 32 Gols: 95 Média de gols: 3

A Copa
Para muita gente, o futebol é um processo degenerativo. É um esporte que teve seus dias em que naquele-tempo-sim-havia-talento e hoje degringolou, graças à evolução do preparo físico, do marketing de emboscada e da imprensa de celebridades (entre outras coisas que adoraríamos seguir citando até a barra de rolagem não aguentar mais).

Para outros, não. Há quem goste mesmo é do oba-oba, e não estamos falando só de quem fica milionário por causa dele. Muita gente adora o futebol moderno, a maneira como Cristiano Ronaldo atravessa o campo todo em sete segundos, e não suporta assistir a videotapes em sépia, com jogadores de musculatura indefinida que têm dez segundos para pensar antes de decidir o que fazer com a bola.

Mas, esteja o futebol em virtuosa ascensão ou intragável decadência, parece que seu ápice, ou pelo menos seu ponto convergência, pode ser definido como sendo a Copa do Mundo de 1970. Aquele verão (e põe verão nisso) mexicano teve os ingredientes para agradar todo mundo.
Quem assiste aos vídeos daquela época não tem como pensar que se trata de uma proto-forma de futebol. Afinal, o campo é rodeado de placas de publicidade, a bola é da adidas, os atletas têm pinta de atletas, muitas partidas foram marcadas para o horário de almoço, sob sol escaldante, para se ajustarem à grade das televisões europeias e o mundo já era plenamente colorido (e com replay!). Quer dizer: é o jogo tal como o conhecemos.

Por outro lado, a média de gols foi de três por jogo, a maioria das equipes jogava com pelo menos três atacantes de carteirinha e até o camisa dez da Seleção ainda era o mesmo dos videotapes em sépia.

No México, o passado encontrou o futuro. Por culpa da bola que era jogada, somada às imagens coloridas que era emitidas, virou de bom tom dizer, sem medo de parecer saudosista nem vanguardista: foi o melhor Mundial de todos os tempos.

Curiosidades
- Preto no branco

A Copa do Mundo de 1970 foi a primeira em que a adidas foi fornecedora oficial da FIFA – condição que ostenta até hoje. Da mesma forma que aquele Mundial se tornou um sinônimo de futebol, a Telstar se tornou referência para a bola de futebol do inconsciente coletivo: aquela de 20 hexágonos brancos e 12 pentágonos pretos. A escolha das cores contrastantes foi decidida por causa da transmissão ao vivo e em cores.

- Cruz credo
O Brasil saiu perdendo sua estreia na Copa diante da Tchecoslováquia, mas o que mais chamou atenção não foi o gol de Petras, e sim sua comemoração: o atacante correu até a linha lateral e fez o sinal da cruz. Quer dizer, tentou fazer, mas acabou numa variação curiosa de cima-esquerda-direita-cima-baixo que não agradou ninguém: os católicos ficaram indignados e as autoridades do Partido Comunista (e, portanto, em sua raiz, ateu) pediram mais moderação na hora de a meninada ensaiar gestos consagrados.

- Falta para qualquer lado
Aquela foi a primeira Copa do Mundo fora da América do Sul ou da Europa e a disputa entre México e El Salvador, a primeira entre dois rivais da América do Norte. Os mexicanos venceram fácil por 4 a 0, mas até hoje os salvadorenhos reclamam do lance bisonho que abriu o placar, aos 45 da primeira etapa: o egípcio Ali Khandil marcou uma falta na lateral do campo a favor de El Salvador, mas os mexicanos se fizeram de desentendidos, bateram rapidamente a falta eles mesmos e, sob reclamação e paralisia dos adversários, marcaram o gol com Valdivia. Khandil ouve um bocado de reclamações, vê os salvadorenhos chutarem a bola para longe e, assustado, encerra o primeiro tempo. O egípcio foi para a geladeira e não voltou mais, mas o estrago estava feito.

- Gols de ouro
Toda Copa tem pelo menos uns três ou quatro encontros que alguém, quando assiste, tem o impulso de chamar de “jogo do século”. Mas, ao se analisar friamente, fica difícil discutir com Itália 4 x 3 Alemanha, pela semifinal. Os 90 minutos de jogo, aliás, nem foram tão incríveis assim: terminaram empatados em 1 x 1. Impressionante mesmo foi uma prorrogação que teve cinco gols – inclusive o da vitória, de Gianni Rivera – e um Franz Beckenbauer ajudando a construir sua lenda ao jogar os últimos minutos com o ombro deslocado e uma tipoia segurando-o contra o corpo.

- Cara nova
O Mundial foi cheio de inovações que permaneceriam para sempre: foi o primeiro em que se utilizou a convenção dos cartões amarelo para advertência e vermelho para expulsão - algo que não aconteceu ao longo de todo o torneio. Pela primeira vez, também, os técnicos foram autorizados a fazer substituições – duas por equipe. A primeira troca da história das Copas foi da União Soviética, no intervalo da estreia contra o México: saiu Viktor Serebryanikov, entrou Anatoliy Puzach.

- Sem medo e sem emprego
João Saldanha não era do tipo que se levava bem com todo mundo, pelo contrário. O estilo turrão e desbocado de “João sem medo” já havia deixado a CBD preocupada depois de alguns episódios, mas quando chegou ao ponto em que o técnico (e ex-membro do Partido Comunista) respondeu ao Excelentíssimo Sr. Presidente da República, General Emilio Garrastazu Médici, a coisa azedou de vez. É que o presidente sugeriu a Saldanha que convocasse Dario, centroavante do Atlético Mineiro e artilheiro do Campeonato Mineiro de 1969. Ao que o treinador nada diplomaticamente respondeu: “O presidente escala o ministério. O time escalo eu.” Àquela altura Saldanha já estava mais perto da demissão do que da Copa. Em março de 1970, após um empate com o Bangu, a comissão técnica foi “dissolvida”, para usar o termo empregado pela CBD. Zagalo assumiu e foi à Copa, para a qual levou Dario – e, desde então, nunca fugiu da insinuação de que o teria feito por motivos políticos.

- Por água abaixo
Nas quartas-de-final entre Alemanha e Inglaterra, o goleiraço Gordon Banks ficou de fora por causa do “Mal de Montezuma”, a famosa indisposição intestinal (para ficar no termo mais agradável) que pode acometer turistas intoxicados pela água mexicana. Pior: o reserva de Banks, Peter Bonetti, também não estava nada seguro e passou o jogo todo se contorcendo e fazendo caretas de desidratação. Se tem a ver ou não com o fato de os ingleses estarem vencendo por 2 a 0 e acabarem derrotados por 3 a 2 na prorrogação, difícil dizer.

- Não-golaços
Foi o grand finale da carreira de Pelé com a Seleção. O momento em que, no auge, ele acabou com os estigmas tanto da lesão de 1962 quanto do desastre completo do Brasil em 1966. Fazia já 12 anos, afinal, que o Rei disputara uma grande Copa. O curioso é que, mais do que pelos quatro gols que marcou no torneio, o Mundial do México foi emblemático para Pelé por outros quatro lances: os quatro não-gols mais famosos de sua carreira aconteceram em três jogos da Copa. Primeiro, o chute do meio-campo que quase encobriu o goleiro Viktor, da Tchecoslováquia. Depois, a cabeçada perfeita que só não foi mais perfeita do que aquela que ficou famosa como a maior defesa de todos os tempos, do inglês Gordon Banks. E, na semifinal contra o Uruguai, um lance incrível em que Pelé rebateu de sem-pulo uma reposição de bola do goleiro Mazurkiewicz e outro ainda mais sensacional, em que um drible de corpo que desafia qualquer conceito de lógica dentro do campo deixou o mesmo Mazurkiewicz sem saber para que lado correr.

E o Brasil?
Tanto quanto não se discute que aquela Copa foi, no mínimo, uma das melhores da história, também não se têm dúvidas de que o grande responsável por essa fama é o Brasil.
O time, no entanto, chegou ao México sob dúvidas. Os motivos eram vários: as derrotas em amistosos nos meses anteriores à Copa, a troca de treinador (João Saldanha por Zagallo) a suposta impossibilidade de se encaixar num mesmo time titular tantos craques – Gérson, Tostão, Pelé, Jairzinho, Rivellino - que em seus clubes atuavam mais ou menos na mesma posição, como camisas 10 autênticos (coisa que naquele tempo ainda existia).

Mas, uma vez a bola rolou, ficou difícil deixar de entrar na euforia. Difícil até para aqueles se amarguravam só de pensar em quanto uma vitória seria utilizada (como foi) para insuflar a ideologia do “Brasil, ame-o ou deixe-o” que servia de argumento para que o regime militar fizesse o que bem entendesse – inclusive um punhado de “deixe-os” forçados.

A Seleção de 70 se tornou paradigma da ideia de que aquilo que o técnico deve fazer é adaptar seu esquema para poder jogar com os melhores que têm, e não adaptar os jogadores que têm para poder jogar com seu esquema. Se existe um mérito que ninguém nega a Zagallo é esse. Com aquele time, Rivellino não era exatamente um ponta-esquerda, mas era o suficiente para não se chocar com Pelé. Gérson era quem parava a bola e pensava o jogo – coisa que fazia melhor do que ninguém. O time, na prática, não tinha centroavante, mas talvez tivesse eram três: Tostão, Pelé e Jairzinho – que marcou gols em cada um dos jogos da Copa, algo que ninguém conseguiu repetir até hoje.

Quando a equipe, vaiada e desacreditada, embarcou para o México, Nelson Rodrigues descreveu: “Finalmente a Seleção deixou o seu exílio”. Ali, já se imaginava que quando o grupo se juntasse e treinasse tranquilo tudo iria melhorar. Mas seria otimismo demais acreditar que o trauma da má campanha em 1966 seria afastado, os tempos de glória voltariam, “90 milhões em ação / pra frente Brasil” seriam versos famosos décadas depois e aquele time, para sempre, tomado como ponto máximo a que alguma seleção pode chegar.

A Campanha do Brasil
Primeira fase
03/06/1970 BRASIL 4 X 1 Tchecoslováquia (BRA: Rivellino 24"/1º, Pelé 14"/2º,
Jarizinho 16" e 36"/2º; TCH: Petras 11"/1º) - Guadalajara
07/06/1970 BRASIL 1 X 0 Inglaterra (BRA: Jairzinho 14"/1º) - Guadalajara
10/06/1970 BRASIL 3 X 2 Romênia (BRA: Pelé 19"/1º e 22"/2º, Jairzinho 22"/1º; ROM: Dumitrache 34"/1º, Dembrovschi 39"/2º) - Guadalajara

Quartas-de-final
14/06/1970 BRASIL 4 X 2 Peru (BRA: Rivellino 11"/1º, Tostão 15"/1º e 7"/2º, Jairzinho 30"/2º; PER: Gallardo 28"/1º, Cubillas 25"/2º) - Guadalajara

Semifinal
17/06/1970 BRASIL 3 X 1 Uruguai (BRA: Clodoaldo 44"/1º, Jairzinho 31"/2º, Rivellino 44"/2º; URU: Cubilla 19"/1º) - Guadalajara

A Final
21/06/1970 BRASIL 4 X 1 Itália (BRA: Pelé 18"/1º, Gerson 21"/2º, Jairzinho 26"/2º, Carlos Alberto 41"/2º; ITA: Boninsegna 37"/1º) - Azteca

BRASIL
Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gerson, Tostão, Pelé, Jairzinho e Rivellino.Técnico: Mário Jorge Lobo Zagallo
Itália
Albertosi, Burgnich, Facchetti, Cera, Rosato, Bertini (Juliano), Riva, Domenghini, Mazzola, De Sisti e Boninsegna (Rivera).Técnico: Ferruccio Valcareggi

Fonte: IG

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