O importante é revolucionar
A Alemanha terminou campeã, mas a Holanda foi o que houve de melhor na Copa de 1974
Resumo da Copa
Campeão: Alemanha Oc. Vice: Holanda 3º lugar: Polônia 4º lugar: Brasil
Os artilheiros
Grzegorz Lato (POL) 7 gols
Andrzej Szarmach (POL) 5 gols
Johan Neeskens (NED) 5 gols
Ralf Edstrom (SWE) 4 gols
Gerd Müller (FRG) 4 gols
Os melhores da Copa pela FIFA
Grzegorz Lato (POL)
Andrzej Szarmach (POL)
Johan Neeskens (NED)
Ralf Edstrom (SWE)
Gerd Müller (FRG)
Sedes
Dusseldorf, Frankfurt, Gelsenkirchen, Munique, Dortmund, Hanover, Stuttgart, Berlim e Hamburgo
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Argentina, Austrália, BRASIL, Bulgária, Chile, Escócia, Haiti, Holanda, Itália, Iugoslávia, Polônia, Suécia, Uruguai e Zaire
Público total: 1.768.152 Jogos: 38 Gols: 97 Média de gols: 2,55
A Copa
País pequeno que começa com a letra “h” maravilha o mundo do futebol, mostra ter, com sobras, a melhor equipe do planeta, mas de forma surpreendente perde a decisão da Copa do Mundo para um time sólido, eficiente e meio sem-graça da Alemanha. O enredo parecia específico demais para qualquer um imaginar que se repetiria tão precisamente 20 anos depois, mas foi o que aconteceu: tal como a Hungria de Puskas e Kocsis em 1954 na Suíça, a Holanda de 74 foi o que aconteceu de mais relevante naquele Mundial, mas não foi a campeã.
Anos após terem perdido aquela final para a Alemanha Ocidental por 2 x 1 em Munique, os holandeses comandados por Rinus Michels continuaram sendo inspiração e referência: nunca mais alguém conseguiu sequer chegar perto de reproduzir o “futebol total” – um misto aparentemente contraditório de anarquia e organização; capacidade de improviso e consciência tática. Foi uma reunião singular de gente inteligente e boa de bola, como Neeskens, Rep e o gênio Johann Cruyff. Eles entendiam perfeitamente a ideia de não guardar posições fixas, mas nem por isso transformar o time numa bagunça – coisa que vários membros da seleção já faziam de modo similar no Ajax tricampeão europeu de 71 a 73. As características peculiares valeram aquele que é provavelmente o melhor apelido da história do futebol: “Laranja Mecânica”, uma evocação perfeita à cor da camisa, ao funcionamento como o de uma máquina, mas também à subversão de regras que permeia o livro de Anthony Burgess (1962) e o filme de Stanley Kubrick (1971).
Mas o futebol, lamentavelmente, também é parte do mundo. O que significa dizer que as coisas dentro dele nem sempre acontecem como deveriam, ou como a maioria gostaria. E não é que a Alemanha Ocidental tivesse uma equipe ruim: tinha o goleirão Sepp Maier, Paul Breitner, Uli Hoeness, o craque Franz Beckenbauer e o artilheiro Gerd Müller. Mas é que as diferenças de proposta entre alemães e holandeses eram tão evidentes que não havia maneira de achar natural que o Carrossel Holandês saísse derrotado daquela Copa do Mundo. Enquanto o time de Rinus Michels chegava encantando, com 14 gols marcados e só dois sofridos, a Alemanha Ocidental havia tido brigas internas por causa da premiação, fora vaiada por sua própria torcida e havia perdido um esquisitíssimo jogo por 1 x 0 para sua vizinha Alemanha Oriental na definição da primeira fase. Ao ficar em segundo lugar na chave, os ocidentais evitaram enfrentar na segunda fase de grupos Brasil, Holanda e Argentina. Em vez disso, asseguraram vaga na final numa chave que tinha Iugoslávia, Suécia e Polônia.
Os alemães ainda saíram perdendo a decisão para os holandeses logo no primeiro minuto e precisaram batalhar para virar o jogo, com um gol de Gerd Müller pouco antes do intervalo. Injusto? Analisado factualmente, não: a Copa funciona assim mesmo, com decisões de 90 minutos que ignoram tudo o que aconteceu antes. E, afinal, quem levantou pela primeira vez a nova taça, esculpida pelo italiano Silvio Gazzaniga, não foi um Helmut qualquer, mas Franz Beckenbauer. Tudo parece claro para aceitarmos, enfim, que o titulo ficou em boas mãos. Mas até hoje ninguém consegue.
Curiosidades
- Perder é o caminho
Da mesma forma que o Brasil terminou com uma campanha não exatamente brilhante, mas com a quarta colocação, a Escócia viveu o contrário: bateu o Zaire por 2 x 0, empatou com o Brasil em 0 x 0 e com a Iugoslávia em 1 x 1. Foi a única seleção entre todas as 16 a terminar a Copa do Mundo invicta – e, mesmo assim, eliminada na primeira fase.
- Capital x provincia
Aquela foi a primeira vez que a final de uma Copa do Mundo foi disputada numa cidade que não era a capital do país-sede: em Munique, no belíssimo Olympiastadion que fazia parte do complexo construído para os Jogos Olímpicos de 1972.
- Emergência 911
A partida entre Alemanha Ocidental e Polônia, que decidiu uma vaga na decisão, esteve perto de não acontecer. Chovia a cântaros, e o gramado só ficou minimamente em condições de receber o confronto porque o Corpo de Bombeiros de Frankfurt interveio e drenou um bocado de água.
- Pela televisão
A lista de ausentes daquela Copa do Mundo incluía dois pesos-pesados das edições anteriores: a Inglaterra, pela primeira vez, disputou eliminatórias e não se classificou. Já a União Soviética chegou até o play-off decisivo contra o Chile, mas, depois de empatar por 0 x 0 em Moscou, os soviéticos se recusaram a disputar o segundo jogo, em Santiago, numa represália ao golpe de estado perpetrado pelo General Augusto Pinochet, que derrubou o presidente Salvador Allende.
- Sinal vermelho
O uso dos cartões amarelo e vermelho já havia sido adotado no Mundial anterior, no México, mas durante todo aquele torneio os árbitros mostraram apenas amarelos. O primeiro jogador em Copa do Mundo a receber um vermelho para indicar sua exclusão da partida foi o chileno Carlos Caszely, aos 22 minutos do segundo tempo da estreia contra a Alemanha Ocidental. O Chile perdeu por 1 x 0.
- A bola pune
Depois de surpreender o mundo ao abrir o placar em sua estreia contra a Itália, o Haiti não só acabou derrotado por 3 x 1 como ainda ganhou o titulo inglório de primeiro país a se envolver num caso de doping na Copa do Mundo: o zagueiro Ernest Jean-Joseph foi pego com uma substância proibida e ficou fora de todas as partidas seguintes dos haitianos na Alemanha. Correram boatos à época de que, no dia seguinte ao anúncio, seguranças da própria delegação esmurraram o jogador por causa da atitude que envergonhara a pátria.
- Até segunda ordem
Outro caso envolvendo um país novato ganhou as manchetes na época: o Zaire (hoje República Democrática do Congo) conseguiu sua vaga ao conquistar a Copa Africana de Nações e, como prêmio, cada jogador recebeu do governo uma casa e um carro. Dizem que, depois que a equipe perdeu seus três jogos – 2 x 0 para a Escócia, 9 x 0 para a Iugoslávia e 3 x 0 para o Brasil -, quando a delegação voltou ao país, teve todas as casas e automóveis confiscados de volta.
- Mas na pelada pode!
E o pior foi que esse nem foi o caso mais surreal do Zaire naquela Copa do Mundo. Não houve quem não se divertisse com o zagueiro Mwepu ilunga, um dos homens na barreira quando o Brasil se preparava para bater uma falta em frente à área dos africanos. Antes de o juiz apitar, enquanto os brasileiros decidiam quem cobraria o tiro livre, Ilunga saiu da barreira como louco e acertou um bico na bola. Levou o amarelo e, principalmente, o vexame.
E o Brasil?
Em definitiva, a pergunta que cabia à equipe responder era quase retórica: existe vida após Pelé? Depois que o Rei se despediu no Maracanã sob gritos de “Fica! Fica!”, em julho de 1971, a Seleção Brasileira parecia já não ter mais certeza de nada. Jairzinho já não tinha a explosão de um ponta e nunca teve o poder goleador de um centroavante. Rivellino fez maravilhas na ponta-esquerda na Copa de 70, mas na verdade era um meia. O grupo já não tinha Gérson, no fim da carreira, e Tostão, que abandonara o futebol por causa de um descolamento da retina.
Durante toda a preparação, o clima foi de competitividade exagerada e de reclamações públicas de um setor da equipe com outro. O público brasileiro vaiava e vaiava. A cada hora Zagallo tentava uma solução diferente e, para piorar, já na Alemanha o grupo perdeu dois jogadores lesionados: o goleiro Wendell, substituído por Valdir Peres, e mais um titular de 70, Clodoaldo, que deu lugar ao são-paulino Mirandinha - mais uma opção para o indecifrável ataque.
Indecifrável e, como se pôde constatar, ineficiente. Se faltava alguma evidência clara das dificuldades da vida pós-Pelé (se é que ela existia), os primeiros jogos trataram de apresentar: 180 minutos, primeiro contra a Iugoslávia, logo contra a Escócia, e nem um golzinho. O Brasil chegou à partida decisiva precisando ganhar por três gols de diferença para avançar. Por sorte, apesar de decisivo, o jogo era contra o Zaire, e a equipe marcou justinho aquilo que era necessário: 3 x 0. A essa altura, no Pais, só se falava do futebol retranqueiro de Zagallo e do suposto corpo mole que alguns jogadores estariam fazendo.
Mas, afinal de contas, uma fase de grupos novinha – porque naquele ano não houve quartas-de-final e semifinais - estava por começar. E que maneira melhor de jogar as tristezas para o alto do que com duas vitórias? Primeiro, 1 x 0 chorado sobre a Alemanha Oriental, com gol de falta de Rivellino no famoso lance em que Jairzinho se abaixou no meio da barreira, bem no espaço em que a bola passou. Em seguida, o melhor momento da Copa para os brasileiros: 2 x 1 sobre a rival Argentina na primeira vez em que os países se enfrentaram num Mundial – e bem no dia da morte do General Juan Domingo Perón. De um momento para o outro, parecia que o Brasil era o Brasil de novo. Zagallo já estava falando grosso e prometendo “fazer suco” da Laranja Mecânica na partida que oficialmente não era uma semifinal, mas que servia de fato para definir quem ia para a decisão e quem disputava o terceiro lugar.
Não foi um jogo bonito, tampouco um passeio, mas na hora em que foi preciso Neeskens e Cruyff deixaram claro quem era espremedor e quem era fruta naquele momento. Com a derrota por 2 x 0, a Seleção partiu para definir o terceiro posto diante dos poloneses em clima de fim de feira. Foi nesse dia que Ademir da Guia enfim mereceu uma chance num jogo de Copa. Após a derrota por 1 x 0, gol do artilheiro da Copa, Grzegorz Lato, o goleiro Leão acertou um murro no lateral-esquerdo Marinho Chagas, acusando-o de responsável pela derrota por causa de seus avanços ao ataque.
E então? Depois de três vitórias, dois empates, duas derrotas e um quarto lugar, qual era o veredicto? Havia vida após Pelé? No fundo, no fundo, a resposta não veio. A pergunta parece que passou umas décadas no ar, até se dissipar. Em 74, certamente, não houve. E há quem garanta, calado, que até hoje não há.
A Campanha do Brasil
Primeira fase
13/06/1974 BRASIL 0 X 0 Iugoslávia - Frankfurt
18/06/1974 BRASIL 0 X 0 Escócia - Frankfurt
22/06/1974 BRASIL 3 X 0 Zaire (BRA: Jairzinho 12"/1º, Rivellino 21"/2º, Valdomiro 34"/2º) - Gelsenkirchen
Segunda fase
26/06/1974 BRASIL 1 X 0 Alemanha Oriental (BRA: Rivellino 15"/2º) - Hanover
30/06/1974 BRASIL 2 X 1 Argentina (BRA: Rivellino 32"/1º, Jairzinho 4"/2º; ARG: Brindisi 35"/1º) - Hanover
03/07/1974 BRASIL 0 X 2 Holanda (HOL: Neeskens 5"/2º, Cruyff 20"/2º) - Dortmund
Disputa de 3º lugar
06/07/1974 BRASIL 0 X 1 Polônia (POL: Lato 31"/2º) - Hanover
A Final
07/07/1974 Alemanha Ocidental 2 X 1 Holanda (ALE: Breitner 25"/1º, Gerd Muller 43"/1º; HOL:
Neeskens 2"/1º) - Munique
Alemanha Ocidental
Maier, Vogts, Breitner, Schwarzenbeck, Beckenbauer, Grabowski, Overath, Müller, Hoeness, Bonhof e Hoelzenbein. Técnico: Helmut Schoen
Holanda
Jongbloed, Haan, Van Hanegem, Jansen, Krol, Neeskens, Cruyff, Rensenbrink (Van de Kerkhof), Rep, Rijsbergen (De Jong) e Suurbier. Técnico: Rinus Michels
Fonte: IG
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