Forças ocultas (e armadas)
Em 1978, Os argentinos tiraram dos ingleses o título de campeões mais suspeitos da história das Copas
Resumo da Copa
Campeão: Argentina Vice: Holanda 3º lugar: Brasil 4º lugar: Itália Os artilheiros
Mario Kempes (ARG) 6 gols
Teófilo Cubillas (PER) 5 gols
Rob Rensenbrink (NED) 5 gols
Leopoldo Luque (ARG) 4 gols
Hans Krankl (AUT) 4 gols
Países participantes (16)
Alemanha Ocidental, Argentina, Áustria, BRASIL, Escócia, Espanha, França, Holanda, Hungria, Irã, Itália, México, Peru, Polônia, Suécia e Tunísia
Sedes
Buenos Aires, Córdoba, Mar Del Plata, Mendoza e Rosário
Público total: 1.610.215 Jogos: 38 Gols: 102 Média de gols: 2,68
A Copa
O pouco louvável titulo de campeão do mundo mais suspeito da história pertenceu apenas durante alguns anos à Inglaterra de 1966 e seu gol fantasma de Geoff Hurst. Os argentinos da Copa do Mundo de 1978 trataram de levar o conceito de “campeão suspeito” a uma dimensão jamais imaginada. E isso não porque a seleção comandada por Cesar Luis Menotti fosse fraca. Não era. Tinha, entre outros, Ubaldo Fillol, Daniel Passarella, Osvaldo Ardiles e o artilheiro Mario Kempes. O fundamental para que aquele título mundial se tornasse alvo de tanta má vontade mundo afora – e inclusive entre gente na própria Argentina – foi a convivência tão promíscua e evidente entre política e futebol; algo que parecia ter ficado para trás, nos dias do fascismo de Benito Mussolini e da Itália campeã de 1934.
Oficialmente, em 1976 a Argentina havia entrado em seu “Processo de Reorganização Nacional” – o gerencial e pomposo eufemismo que Exército, Marinha e Aeronáutica escolheram para batizar a ditadura militar que tomou de assalto o governo do país. O golpe de Estado derrubou a presidenta Maria Estela Martínez de Perón e deixou o controle da Argentina nas mãos de uma Junta Militar formada pelos comandantes das três Forças Armadas: Jorge Videla, Emilio Massera e Orlando Agosti. Foram eles os responsáveis por montar o “Ente Autárquico Mundial 78”, ou seja, um departamento estatal unicamente responsável por organizar a competição, desde a reforma dos estádios até a instalação de um canal de TV público dedicado apenas a transmitir as partidas. Tudo isso para dizer o óbvio: que o governo argentino estava metido até o pescoço (e os dólares) no torneio e, em busca de aprovação popular, não aceitaria como contrapartida outra coisa que não um título redentor.
Tanto quanto os gols de Kempes ou as toneladas de papel picado com que os hinchas argentinos recebiam sua seleção a cada partida, a campanha do titulo ficou marcada pelo fato de a equipe da casa sempre jogar à noite, horas depois dos demais rivais – sabendo, portanto, exatamente quais resultados lhe convinham. Está aí a raiz daquele acintoso Argentina 6 x 0 Peru: os argentinos sabiam que necessitavam de quatro gols de diferença para evitar que o Brasil se classificasse à final. A partir daquele episódio, a FIFA determinou que todas as rodadas finais de um mesmo grupo fossem disputadas simultaneamente.
O fato é que, depois de 48 anos, pela primeira vez desde a Copa do Mundo inaugural em 1930, a Argentina se classificou para uma final. Como rival, uma Holanda sem Johan Cruyff – supostamente ausente por represália ao governo militar; algo que ele nega até hoje – e que esperava que a rebarba da “Laranja Mecânica” fosse capaz de ir um passo além do vice-campeonato que aquele timaço alcançara em 74. Os holandeses reclamaram de catimba, saíram atrás no placar, empataram e estiveram a um passo de conseguir a vitória no fim do tempo regulamentar, quando Rensenbrink acertou a trave. Veio, então, a prorrogação e dois gols argentinos. A Holanda parecia fadada oficialmente a ser o pais do quase, e a Argentina, a celebrar com mais dúvidas, tensão e olhares tortos do que nunca. Pode haver quem queira argumentar que, depois daquilo, houve outros episódios das Copas do Mundo dignos de suspeita, mas uma coisa é certa: nunca mais se viu um Mundial tão casado com a política.
Curiosidades
- Os segundos serão os primeiros
Os três primeiros colocados daquela Copa do Mundo – Argentina, Brasil e Holanda – tiveram algo em comum na primeira fase: uma participação sem nenhum destaque. Os três países se classificaram na segunda posição em seus grupos, atrás, respectivamente, de Itália, Áustria e Peru.
- Abaixo o cara ou coroa
A FIFA determinou pela primeira vez em 1978 que, se uma partida eliminatória terminasse empatada após os 90 minutos regulamentares e os 30 de prorrogação, a decisão seria por meio de uma disputa de pênaltis. O novo método, porém, não precisou ser usado, já que as duas únicas partidas eliminatórias daquele torneio – a disputa de 3º lugar e a final – foram decididas antes dos 120 minutos.
- Álgebra
Quem assiste aos videotapes daquele mundial de repente se assusta com o goleiro argentino Fillol jogando com a camisa 5 ou, pior, o meia Norberto Alonso vestindo o número um: acontece que, por alguma razão que a própria razão desconhece, os argentinos decidiram distribuir os números em ordem alfabética de sobrenome.
- Novo novo mundo
Foi na estreia do grupo 2 que a Tunísia fez história e conseguiu a primeira vitória de um pais africano na história da Copa do Mundo. Os tunisianos marcaram 3 x 1, mas, depois de perderem para a Polônia por 1 x 0 e de um empate sem gols contra a Alemanha Ocidental, acabaram eliminados, em terceiro lugar.
- 1,2,3 e... priiii!
A estreia da Seleção Brasileira na Copa teve como grande momento uma das decisões mais enroladas da história da arbitragem: nos últimos instantes da partida, o galês Clive Thomas permitiu que o Brasil batesse o escanteio, mas, assim que a bola saiu do pé de Nelinho rumo à área, virou-se de costas e apitou o final do jogo. Foi bem nessa hora que Zico acertou uma cabeçada que significaria o gol da virada brasileira. Thomas, porém, insistiu que era aquilo mesmo: havia apitado o fim da partida enquanto a bola viajava rumo à área sueca, antes de Zico cabecear. Os brasileiros entraram com representações contra o galês, que foi para a geladeira para não voltar mais.
- Puro malte
A edição de 1978 foi marcada pelo segundo caso de doping da história das Copas: depois da derrota de sua seleção para o Peru por 3 x 1 na primeira fase, o meia escocês Willie Johnston foi flagrado com substâncias irregulares. Acabou desligado da delegação naquele mesmo instante, voou de volta para casa e nunca mais foi chamado pela equipe da Escócia.
- Xixi delivery
Mais notório do que esse caso de doping, porém, foi a insinuação feita pelo diário inglês Sunday Times, segundo quem os argentinos estariam burlando os controles antidoping. De acordo com reportagem do jornal, a Argentina contratava alguém especificamente para urinar nos potinhos no lugar dos jogadores – que supostamente estariam forrados de anfetaminas. Ninguém jamais conseguiu comprovar nada.
- Que droga
Ainda no terreno das conspirações: em 2007, numa entrevista à Rádio Caracol da Colômbia, Fernando Rodríguez Mondragón, filho de um manda-chuva do tráfico de drogas do país, garantiu que foi o cartel de Cali quem subornou a seleção peruana para que deixasse os argentinos marcarem uma avalanche de gols e se classificarem para a decisão. Os peruanos, porém – sobretudo o goleiro Quiroga, nascido na Argentina e que viveu uma noite especialmente infeliz nos 6 x 0 – negam veementemente.
- Prelúdio
Apesar dos resultados discretos, a França foi uma das sensações daquele Mundial. Os franceses foram eliminados na primeira fase, depois de perder para Itália e Argentina e derrotar a Hungria, mas mostraram que tinham um garoto especial usando a camisa 15: Michel Platini, autor do gol de honra na derrota para os argentinos.
- Roupa emprestada
A França também protagonizou um momento curioso em seu jogo contra a Hungria. É que, apesar de a produção de TV daquela Copa ser em cores, a maioria dos aparelhos na Argentina eram em preto-e-branco. Neles, o vermelho dos húngaros e o azul dos franceses eram indistinguíveis. A solução foi a seleção francesa utilizar os uniformes listrados em verde e branco do Club Atlético Kimberley, uma equipe amadora de Mar Del Plata que até hoje se orgulha do feito.
E o Brasil?
O técnico Claudio Coutinho ficou famoso por uma série de termos que passaram a frequentar os cadernos de esportes dos jornais brasileiros quando ele assumiu o cargo de técnico da Seleção Brasileira. Muita gente fazia troça do seu “ponto futuro” ou da capacidade de seus laterais de fazerem o “overlapping”, mas ninguém deixou de ver uma considerável dose de razão quando, depois dos constrangedores 6 x 0 da Argentina sobre o Peru, o treinador declarou que a disputa de 3º lugar entre Brasil e Itália seria “a final moral” da Copa. O que significa dizer, já que o Brasil venceu por 2 x 1 e acabou a Copa invicto, que éramos os “campeões morais” do Mundial que teve o campeão mais imoral da história.
Não é que a Seleção Brasileira fosse exatamente encantadora. O time teve problemas para se classificar nas Eliminatórias e, incrivelmente, a rixa entre São Paulo e Rio de Janeiro parecia ainda significar alguma coisa: Coutinho enfrentava uma resistência tremenda entre os paulistas, algo que ficou mais claro do que nunca num amistoso entre Brasil e Seleção Paulista em 1977, quando o técnico escutou uma das maiores vaias da história do Morumbi depois do empate em 1 x 1.
O time chegou à Argentina algo titubeante, estreando com um empate em 1 x 1 contra a Suécia, seguido de um 0 x 0 contra os espanhóis que só não virou derrota de 1 x 0 por causa de uma bola salva em cima da linha pelo zagueiro Amaral, que se tornaria famosa durante anos. Com sua primeira vitória, 1 x 0 sobre a Áustria, o Brasil se classificou na segunda posição e foi para a segunda fase de grupos ao lado de Argentina, Polônia e Peru.
Foi aí que a equipe realizou suas melhores partidas: vitórias sobre peruanos e austríacos e um vigoroso empate em 0 x 0 contra os argentinos em Rosário. No final, com 2 x 1 sobre a Itália na decisão do 3º lugar – dia do golaço do lateral-direito Nelinho – a Seleção selou uma campanha boa, apesar de pouco convencional. Claudio Coutinho descobriu a melhor escalação ao longo do torneio e utilizou 17 dos 22 jogadores disponíveis, sendo que apenas quatro – Leão, Oscar, Amaral e Batista – foram titulares do começo ao fim. De todos modos, parece que foi o suficiente para conquistar a condição de campeão. Moral, em todo caso.
A Campanha do Brasil
Primeira fase
03/06/1978 BRASIL 1 X 1 Suécia (BRA: Reinaldo 45"/1º; SUE: Sjoberg 37"/1º) - Mar Del Plata
07/06/1978 BRASIL 0 X 0 Espanha - Mar Del Plata
11/06/1978 BRASIL 1 X 0 Áustria (BRA: Roberto Dinamite 40"/1º) - Mar Del Plata
Segunda fase
14/06/1978 BRASIL 3 X 0 Peru (BRA: Dirceu 15"/1º e 28"/1º, Zico 28"/2º) - Mendoza
18/06/1978 BRASIL 0 X 0 Argentina - Rosario
21/06/1978 BRASIL 3 X 1 Polônia (BRA: Nelinho 12"/1º, Roberto Dinamite 12" e 18"/2º; POL: Lato 45"/1º) - Mendoza
Disputa de 3º lugar
24/06/1978 BRASIL 2 X 1 Itália (BRA: Nelinho 19"/1º, Dirceu 27"/2º; ITA: Causio 38"/1º) - Buenos Aires
A Final
25/06/1978 Argentina 3 X 1 Holanda (ARG: Kempes 38"/1º e 15"/1º da prorrogação
Bertoni 11"/2º da prorrogação; HOL: Nanninga 37"/2º) - Buenos Aires
Argentina
Fillol, Ardiles (Larrosa), Bertoni, Gallego, Galván, Kempes, Luque, Olguin, Ortiz (Houseman), Passarela e Tarantini.Técnico: Cesar Luis Menotti
Holanda
Jongbloed, Poortvliet, Krol, Jansen (Suurbier), Haan, Rene Van de Kerkhof, Willy Van de Kerkhof, Rensenbrink, Neeskens, Rep (Nanninga) e Brandts.Técnico: Ernst Happel (AUT)
Fonte: IG
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