A era dos muros
As mudanças do mundo no aspecto político eram vistas como positivas, mas no futebol...
Resumo da Copa
Campeão: Alemanha Oc. Vice: Argentina 3º lugar: Itália 4º lugar: Inglaterra
Os artilheiros
Salvatore Schillaci (ITA) 6 gols
Tomas Skuhravy (TCH) 5 gols
Roger Milla (CMR) 5 gols
Michel (ESP) 5 gols
Lothar Matthaues (GER) 4 gols
Os melhores da Copa pela FIFA
Salvatore Schillaci (ITA)
Lothar Matthaeus (GER)
Diego Maradona (ARG)
Sedes
Bari, Bolonha, Cagliari, Florença, Gênova, Milão, Nápoles, Roma, Palermo, Turim, Udine e Verona
Paises participantes (24)
Alemanha Ocidental, Argentina, Áustria, Bélgica, BRASIL, Camarões, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Egito, Emirados Árabes Unidos, Escócia, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Iugoslávia, Romênia, Suécia, Tchecoslováquia, União Soviética e Uruguai
Publico total: 2.516.348 Jogos: 52 Gols: 115 Media de gols: 2,21
A Copa
Talvez tenha a ver com a queda do Muro; com a necessidade de estabelecer uma Nova Ordem Mundial. Era tempo, afinal, de mudanças – disso não havia quem duvidasse. Talvez, então, o que tenha acontecido foi que mudar tenha se tornado sinônimo de coisa necessariamente boa. De modo que todo mundo achou se tratar de ótima ideia quando algum treinador um dia, possivelmente só de farra, disse: “por que é que a gente não coloca mais um zagueiro central na área e joga de um jeito mais cauteloso, só esperando para ver o que acontece?”
Era hora de mudar, afinal; de despolarizar. Parece que, sob o risco de ficar com fama de retrógrado, o mundo do futebol acreditou naquela revolução besta durante alguns instantes. A pena foi que esses instantes coincidiram justo com a 14ª Copa do Mundo da história (e um pouquinho com a 15ª, confessemos, apesar de campeões).
Hoje, quando a Ordem Mundial já está ficando velha e quem dá bola é o iPhone, parece impensável colocar os termos “Copa do Mundo”, “Itália” e “chata” juntos numa mesma frase, mas foi isso mesmo: a Copa do Mundo na Itália foi chata. A mais chata. E quem está dizendo não somos nós, só de birra com os três zagueiros, mas os números: a média de 2,21 gols por jogo é, de longe, a mais baixa de todos os tempos.
Até então, “final de Copa do Mundo” era um termo que se usava no auge da discussão, na hora de evocar o quanto um jogão era realmente um jogão. Foi ali, em 1990, que a expressão se decantou, com Alemanha 1 x 0 Argentina: a primeira final com uma expulsão (na verdade duas) e a primeira em que um time não marcava gol. Até o artilheiro e melhor jogador daquela Copa, Salvatore ‘Totò’ Schillaci, não era nem tão artilheiro, muito menos tão grande jogador assim.
A equipe da Argentina ter se tornado finalista é um dos argumentos mais sólidos que aquele Mundial tem quando pleiteia a condição de pior da história. Com o tornozelo de Maradona do tamanho de um panettone, os argentinos marcaram só cinco gols em sete jogos. Pior ainda foi a Irlanda, que conseguiu uma inimaginável vaga nas quartas-de-final depois de marcar só dois golzinhos em cinco partidas. Não é à toa que quem se tornou o time mais famoso daquela Copa acabou sendo Camarões – que, hoje podemos dizer sob a lupa honesta e meio chata da história, não era lá uma grande equipe. Os africanos eram pelo menos um sopro de espontaneidade - mesmo que às vezes fosse desorganização - no meio daquele mosaico de volantes, líberos, stoppers e jogadores da sobra.
Diante disso tudo, até que não foi tão ruim assim que a campeã tenha sido a Alemanha, que, além da boa defesa (porque isso quase todo mundo tinha), tinha um capitão com jeito de capitão, Lothar Matthaeus, e gente com habilidade, como o baixinho Thomas Haessler, Andreas Moeller, Pierre Littbarski e a dupla Rudi Voeller e Juergen Klinsmann. Franz Beckenbauer se tornou o segundo na história, depois de Zagallo, a conquistar o Mundial como jogador (1974) e como técnico. Os alemães estufaram o peito e puderam se considerar os maiores vencedores da história das Copas, com os mesmos três títulos do Brasil e mais três vice-campeonatos. Para nossa sorte, apenas durante os seguintes quatro anos.
Curiosidades
- Folclore não basta
Além de Camarões, a Colômbia de Valderrama e Freddy Rincón também tinha potencial para demonstrar um pouco de jogo mais ofensivo. Mas as duas equipes acabaram se enfrentando nas oitavas-de-final, em Nápoles, num dia que serviu para somar bastante à imagem de dois mitos: o atacante camaronês Roger Milla, então com 38 anos, e o goleiro colombiano René Higuita. É que, apos 0 x 0 no tempo normal, Milla fez 1 x 0 no início do segundo tempo da prorrogação. Dois minutos depois, numa de suas habituais aventuras jogando com os pés, no meio-campo, Higuita errou ao tentar driblar o centroavante africano e protagonizou uma das cenas mais constrangedoras da história das Copas quando perdeu a bola e cedeu o segundo gol. Os colombianos ainda descontaram minutos depois, mas acabaram derrotados em grande parte por causa da fanfarronice de seu goleiro.
- God Save the Gazza
Paul Gascoigne, um dos ingleses mais talentosos e criativos (além de malucos) que já se viu num campo de futebol, foi responsável pela imagem mais interessante da semifinal entre Inglaterra e Alemanha, que os alemães acabariam ganhando nos pênaltis depois de empate em 1 x 1. É que aos nove minutos da prorrogação, depois de uma entrada imprudente na lateral esquerda, Gazza recebeu cartão amarelo do árbitro brasileiro José Roberto Wright. Era seu segundo na competição, o que significava que, se a Inglaterra avançasse à final, o craque ficaria de fora. Então, sabendo disso, o sempre cartesiano Gascoigne simplesmente foi às lágrimas. Veja as imagens aqui e repare só na preocupação do atacante Gary Lineker quando vê a lágrima e imediatamente avisa ao técnico Bobby Robson: “Fica de olho nele”, como se temesse que a qualquer momento Gazza pudesse tirar uma machadinha do bolso ou correr pelado cantando a música tema de Mary Poppins.
- Par ou ímpar
Pela primeira vez na história, a Copa do Mundo precisou de um sorteio para definir as posições de duas equipes na fase de grupos: a Irlanda e a Holanda terminaram empatadas em tudo no grupo F. Ambas estavam classificadas, mas as bolinhas decidiram que os irlandeses seriam os segundos colocados e os holandeses, terceiros. Com isso, nas oitavas-de-final a Irlanda enfrentou a Romênia (e venceu nos pênaltis), enquanto a Holanda pegou a Alemanha (e perdeu).
- Aconteceu naquele verão
Nós dizíamos que, à exceção daquele mês de junho, Salvatore “Totò” Schillaci nunca foi nem craque, nem artilheiro. Duvida? Pois o atacante nunca sequer havia jogado pela seleção italiana até a estreia da Copa, contra a Áustria, quando entrou no lugar de Carnevale e... marcou o gol da vitória por 1 x 0. A partir dali, marcou um total de seis gols de um total de sete em sua carreira com a Azzurra.
- Amor, mas...
Quando a seleção argentina se apresentou para disputar a semifinal contra a Itália justo em Nápoles, cidade onde Diego Armando Maradona é até hoje um cânone por tudo o que fez pelo Napoli, o sentimento de muitos torcedores italianos presentes ao estádio foi de uma estranheza bem descrita por uma enorme faixa estendida na arquibancada do San Paolo: “Desculpe, Dieguito. Te amamos, mas a Itália é a nossa pátria.” Bastou, porém, que os argentinos eliminassem a anfitriã nos pênaltis e chegasse à final contra a Alemanha Ocidental disputada em Roma para a recepção mudar drasticamente. Na decisão, os romanos se colocaram contra os sul-americanos e trataram de deixar isso bem claro quando vaiaram a execução do hino da Argentina. E foi aí que Maradona, sabendo que sua imagem estava no telão, reagiu com uma raiva (e um bem pronunciado hijo de p...) que virou cena famosa.
- Dia de goleiro
Numa Copa tão marcada pela retranca, só mesmo os goleiros para fazerem manchetes. O veterano inglês Peter Shilton completou um total de dez jogos de Copa do Mundo dos quais saiu sem sofrer nem um golzinho. Já o italiano Walter Zenga estabeleceu um recorde para os Mundiais: 517 minutos consecutivos sem sofrer gol. E, claro, a grande história de sucesso do verão foi Sergio Goycochea: depois de substituir o azaradíssimo titular Nery Pumpido (que sofreu um frangaço na derrota por 1 x 0 contra Camarões, na estreia, e na segunda partida fraturou a perna), o argentino de repente virou estrela: foi bem nas oitavas contra o Brasil e se consagrou nas quartas-de-final contra a Iugoslávia – quando defendeu duas cobranças na decisão por pênaltis e, assim, livrou a cara de Maradona, que havia perdido o seu – e na semifinal diante da Itália, em que outra vez defendeu dois pênaltis na série de cinco. A partir dali, El Goyco se tornou para sempre celebridade no país (e, aliás, hoje apresenta um programa de entrevistas com jogadores na televisão).
- Umbabaraúma
Os “Leões Indomáveis” de Camarões viraram a equipe favorita de todos os que não estivessem jogando contra eles, e Roger Milla se tornou o símbolo daquele futebol menos tenso e sisudo do que o que imperou no Mundial (em boa parte por causa de suas reboladinhas pós-gol). Acontece que, aos 38 anos, Milla já havia praticamente desistido de jogar bola. O pessoal da seleção camaronesa teve que convencê-lo a abandonar a sombra e a água fresca da ilha de La Réunion para defender o pais na Copa.
- Água de beber, camará
Em 1993, o massagista da seleção argentina naquela Copa, Miguel di Lorenzo, declarou ao jornal Clarín que, antes das oitavas-de-final contra o Brasil, o técnico Carlos Bilardo lhe deu dois tipos de garrafas d’água diferentes: aquelas para os jogadores argentinos e as que deveriam ser dadas aos jogadores brasileiros caso procurassem um refresco ao passar pela lateral do campo. Em 2004, Diego Armando Maradona confirmou sem nadinha de pudor na televisão que, sim, havia uma garrafa “batizada” com calmante, que foi dada ao lateral-esquerdo Branco – ele, que à época havia reclamado de, depois da partida, ter sentido fraqueza e sonolência. Por falta de medida melhor a se tomar, o futebol se conformou em ganhar uma tremenda pérola para seu folclore.
E o Brasil?
Veja só os nomes que compunham aquela Seleção Brasileira: Careca, Bebeto, Müller, Romário, Branco, Ricardo Gomes, Silas, Taffarel... Não é ruim, é? Pois então. E quem assistisse somente à derrota por 1 x 0 para a Argentina que eliminou o Brasil nas oitavas-de-final de fato ficaria com a impressão de que foi uma pena aquele time até-que-talentoso ter caído por causa de uma injustiça, uma genialidade isolada de Maradona, uma água batizada...
Ah, mas então nos lembramos daqueles três primeiros jogos. E das eliminatórias. E dos três zagueiros numa época em que ainda não achávamos normal ter mais gente defendendo do que atacando. Também não achávamos normal, aliás, que mais da metade do elenco da Seleção jogasse na Europa, e não no Brasil. Ou ainda que os jogadores tivessem qualquer envolvimento com o patrocínio da CBF - a ponto de o grupo tirar a constrangedora foto oficial com a mão cobrindo o logotipo da Pepsi, porque achavam que o dinheiro pago pela empresa não estava sendo devidamente transformado em premiação.
O futebol brasileiro ameaçava mudar junto com o resto do mundo, e o caminho que escolheu para fazê-lo em 1990 – o da modernidade empostada e aberta ao mercado exterior de Sebastião Lazaroni – certamente serviu para algo: mostrar para onde não queríamos. Hoje, depois de tê-lo visto como capitão levantando a Copa e como técnico de sucesso à frente da Seleção, fica mais fácil dizer isso, mas a verdade é que aquela não foi a “Era Dunga”. Certamente não mais do que foi a “Era Lazaroni”, ou a “Era Europa”, ou a “Era Recém-Globalizada”. O volante da Fiorentina era só mais uma peça tentando funcionar de um modo que ninguém, muito menos Lazaroni, sabia bem como deveria ser.
Por falta de opção, acabou que o futebol brasileiro se modernizou. Mas, pelo menos na Itália 1990 a Seleção aprendeu que não podia pensar em fazê-lo sem manter um mínimo de lastro com o que temos de mais característico. Sem se esquecer de fugir um pouquinho que seja da chatice.
A Campanha do Brasil
Primeira fase
10/06/1990 BRASIL 2 X 1 Suécia (BRA: Careca 40"/1º e 18"/2º; SUE: Brolin 34"/2º) - Turim
16/06/1990 BRASIL 1 X 0 Costa Rica (BRA: Müller 33"/1º) - Turim
20/06/1990 BRASIL 1 X 0 Escócia (BRA: Müller 37"/2º) - Turim
Oitavas-de-final
24/06/1990 BRASIL 0 X 1 Argentina (ARG: Caniggia 35"/2º) - Turim
A Final
08/07/1990 Alemanha Ocidental 1 X 0 Argentina (ALE: Brehme 40"/2º) - Roma
Alemanha Ocidental
Illgner, Buchwald, Kohler e Augenthaler; Berthold (Reuter), Matthaeus, Haessler, Littbarski e Brehme; Völler e Klinsmann. Técnico: Franz Beckenbauer
Argentina
Goycoechea; Serrizuela, Sensini, Lorenzo, Ruggeri, (Monzón), Simón, Burruchaga (Calderón), Troglio, Dezotti, Maradona e Basualdo. Técnico: Carlos Bilardo
Fonte: IG
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