Ásia, mundo
O Brasil não chegou animado, mas voltou com o pentacampeonato da primeira Copa no Oriente
Resumo da Copa
Campeão: BRASIL Vice: Alemanha 3º lugar: Turquia 4º lugar: Coréia do Sul
Os artilheiros
Ronaldo (BRA) 8 gols
Miroslav Klose (GER) 5 gols
Rivaldo (BRA) 5 gols
Jon Dahl Tomasson (DEN) 4 gols
Christian Vieri (ITA) 4 gols
Os melhores da Copa pela FIFA
Oliver Kahn (GER)
Ronaldo (BRA)
Hong Myung Bo (KOR)
Sedes
Suwon, Daegu, Busan, Daejeon, Seul, Ulsam, Incheon, Jeonju, Gwangiu, Seogwipo), Japão (Saitama, Yokohama, Sapporo, Miyagi, Niigata, Ibaraki, Shizuoka, Osaka, Kobe, Oita
Países participantes (32)
Alemanha, Argentina, Bélgica, BRASIL, Camarões, China, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, Equador, Inglaterra, França, Irlanda, Itália, Japão, Coréia do Sul, México, Nigéria, Paraguai, Polônia, Portugal, Rússia, Arábia Saudita, Senegal, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Tunísia, Turquia, Uruguai e Estados Unidos
Público total: 2.705.836 Jogos: 64 Gols: 161 Média de gols: 2,52
A Copa
Se você olhasse assim de relance, como quem se depara de surpresa, munido apenas de seus paradigmas, nem pareceria uma Copa do Mundo. Porque era longe, num horário estranho e os estádios viviam cheios de gente que dava gritos agudos e inocentes cada vez que a bola ia para o ataque – como os da tia Carmem, que só assiste jogo quando é da Seleção e importante. Para piorar, não era nem que houvesse um pais-sede para o pessoal passar quatro anos explorando os clichês. Eram dois, o que dificultou consideravelmente o processo.
À primeira vista, então, poderia nem parecer uma Copa do Mundo, mas, afinal, o objetivo ao levar o torneio para a Ásia pela primeira vez não era outro que esse: fazer algo diferente de tudo o que havia sido feito até então. Para que a Copa pudesse se dar o direito de ser algo com qualquer outro formato, não necessariamente eurocentrista, e que não houvesse comoção e prantos quando a FIFA anunciasse, por exemplo, países como África do Sul e Brasil como dois anfitriões consecutivos. Pode-se, claro, apontar uma lista colossal de interesses políticos por trás disso, mas o fato é que o plano, em sua essência, deu certo. Desde 2002, todo país se viu em condições de pensar em receber a Copa e se perguntar: “por que não?”
Considerando que o objetivo era romper fronteiras e popularizar o futebol para além dos palcos habituais, a tendência é que - como aconteceu com os Estados Unidos em 1994 – se declare a iniciativa um fracasso. Como se o fato de organizar uma Copa (e organizá-la com sucesso) devesse ser suficiente para turbinar uma revolução imediata nos costumes, gostos e leis de mercado. Não, sul-coreanos e japoneses não aprenderam de um mês para o outro a pedalar e chutar de três dedos, nem seus campeonatos se tornaram eldorados de prosperidade e talento. Mas o fato de receber o evento, além da campanha dos dois países até a segunda fase – especificamente da Coreia do Sul até o quarto lugar (por duvidosa que possa ter sido) – mudou, sim, a história do futebol naquele continente. Trouxe também reflexos para o futuro, por mais que esses sejam difíceis de constatar em tão pouco tempo e daqui de tão longe, onde o futebol é coisa séria há um século.
Dito tudo isso, pensando bem, dá até para chamar aquele mês de revolucionário. A então campeã França, por exemplo, caiu na estreia para sua ex-colônia, o Senegal – que logo daria sequência à sua trajetória de zebra até as quartas-de-final. Os franceses seriam eliminados sem marcar nem um golzinho. A Argentina, outra favorita depois de uma campanha arrasadora nas eliminatórias, também foi mandada para casa na primeira fase. Os Estados Unidos, outrora piada pronta no mundo do soccer, foram às quartas, quando ainda estiveram perto de derrubar os alemães. A partida pelo terceiro lugar teve, veja bem, Coreia do Sul x Turquia. Dá para chamar de revolução. Não completa, vide o fato de habituais suspeitos, Brasil e Alemanha (essa apesar de uma equipe chatinha, chatinha), terem chegado à decisão; nem duradoura – tanto que o Senegal ainda continua sendo apenas o Senegal e, de certa forma, a Coreia do Sul e a Turquia também. Mas a Copa do Mundo na Ásia, diferente como foi, mas ainda grandiosa e organizada, foi uma etapa nova na história da competição. Um inevitável grito de globalização que, se não foi perfeito e plácido, no mínimo, poderia ter sido bem pior.
Curiosidades
- Ombro amigo
Uma coisa é simplesmente perder a chance de jogar uma Copa do Mundo por causa de uma lesão – algo que acontece regularmente -, outra completamente diferente é o que aconteceu com Emerson. Capitão do time e homem de confiança de Felipão, o volante decidiu brincar de goleiro em um rachão nos últimos minutos do treinamento que a Seleção realizava na véspera da estreia contra a Turquia. Ao defender um chute de Rivaldo, caiu com o ombro direito no chão e sofreu uma luxação. Em vez de levantar a taça, como se supõe que aconteceria se tudo tivesse seguido seu curso normal, o volante acabou assistindo a Copa pela TV. Para o seu lugar, veio Ricardinho.
- Gol-demissão
Marcar o “gol de ouro” que eliminou a Itália e classificou a Coreia do Sul para as quartas-de-final já teria sido razão o suficiente para o atacante Ahn Jung-Hwan ficar famoso. Mas o que realmente chocou o mundo foi o que veio horas depois: Luciano Gaucci, dirigente do Perugia, clube italiano onde Ahn atuava, confirmou em entrevista ao jornal Gazzetta dello Sport que acabara de demitir o atacante. “Não o quero de volta ao clube. Ele que volte para a Coreia e que paguem o salário dele por lá.” A mescla de caudilhismo e dor-de-cotovelo pegou tão mal mundo afora que o dirigente teve que se retratar e dizer que estava arrependido. Mas, então, quem não queria mais saber de jogar por lá era Ahn, que, apos muita negociação, foi parar no Shimizu S-Pulse do Japão.
- Sem cadeira cativa
Sempre havia adaptações para se fazer, Copa após Copa. Aquela, por exemplo, foi a última vez em que o campeão anterior – no caso, a França – se classificou sem precisar disputar eliminatórias. O Brasil já teve que entrar em campo para garantir sua vaga na Alemanha 2006.
- Amarelo amarelinho
A seleção da Alemanha já não era exatamente encantadora - o que ficara claro em suas três vitórias por 1 a 0 na fase de mata-mata, sobre Paraguai, Estados Unidos e Coreia do Sul -, mas, para a decisão contra o Brasil ficou ainda mais sem-graça: é que Michael Ballack recebeu contra os sul-coreanos seu segundo cartão amarelo e acabou suspenso da decisão. O fato motivou mais uma mudança no regulamento da Copa: em 2006, os cartões amarelos acumulados foram zerados apos as quartas-de-final, para garantir que apenas jogadores expulsos na semi possa perder a partida mais importante do planeta.
- Pressa
Na decisão do terceiro lugar contra a Coreia do Sul, vencida pela Turquia por 3 a 2, o centroavante Hakan Sükür - então jogador do Parma, da Itália - fez história ao marcar o gol mais rápido da história da Copa do Mundo: abriu o placar com apenas 11 segundos de jogo.
- É penta!
Foi na Coreia do Sul e no Japão que o sérvio Bora Milutinovic se tornou o primeiro técnico a treinar cinco seleções diferentes em Copas do Mundo: depois de México (1986), Costa Rica (1990), Estados Unidos (1994) e Nigéria (1998), foi a vez de comandar a China. Por coincidência, das cinco vezes, aquela foi a terceira em que o sérvio se deparou com o Brasil – e a terceira derrota.
- Prêmio póstumo
O alemão Oliver Kahn se tornou o primeiro goleiro a conquistar a Bola de Ouro de melhor jogador de uma Copa do Mundo. Algo que seria até merecido com base no caminho dos alemães até a final e suas vitórias magras em que invariavelmente o mal-humorado camisa 1 era o melhor em campo. O problema é que, como se sabe, no futebol a última impressão é a que fica, e não foi nada fácil de engolir o anúncio do prêmio – cuja votação foi encerrada no intervalo da final, quando o placar era de 0 x 0 – depois de Kahn falhar e Ronaldo marcar duas vezes para dar o titulo ao Brasil. De alguma forma, serviu como compensação para a Copa anterior: quando quem levou a Bola de Ouro foi o mesmo Ronaldo, letárgico na final, e não Zinedine Zidane, autor de dois gols.
- Com louvor
Os anfitriões de Copa do Mundo que não são países tradicionais do futebol entram em campo com uma pressão de antemão: a de não quebrar a escrita de que todo dono da casa passa pela primeira fase. Nesse caso, a missão era ainda mais difícil, já que eram duas seleções que precisavam manter o tabu. A Coreia do Sul foi além e chegou a uma inédita semifinal, mas o Japão também não fez nada feio: liderou o grupo H à frente de Rússia, Bélgica e Tunísia e caiu nas oitavas-de-final por 1 a 0 diante da Turquia, que seria semifinalista. Além do ídolo Hidetoshi Nakata, do Parma (ITA), quem também brilhou foi o meia Junichi Inamoto, que acabara de ser contratado pelo Arsenal, da Inglaterra.
E o Brasil?
Equipe com um bocado de talentos individuais faz campanha sem-graça – para não dizer efetivamente ruim – nas Eliminatórias. Técnico é acusado de transformar demais aquilo que se considera a maneira habitual e bela de a Seleção jogar. Nos tempos recentes, as experiências que tínhamos de um cenário assim podiam levar a dois lugares: ou ao fracasso desconexo e absoluto, como o de Sebastião Lazaroni em 1990; ou ao sucesso, apesar de tudo, como Carlos Alberto Parreira em 1994.
Não foi com grande animação, portanto, que o Brasil chegou àquela Copa do Mundo em que, pela primeira vez desde Lazaroni, jogava com três zagueiros. Era o tipo de argumento que os críticos precisavam para tachar Luiz Felipe Scolari de retranqueiro e prever mais um mês de sofreguidão, fosse ela vencedora ou não.
Mas quem reclamava não sabia a medida de dois fatores que se mostrariam decisivos para o titulo brasileiro. Primeiro, o talento do trio ofensivo que, graças aos tais três zagueiros mais dois volantes, tinha liberdade quase incondicional para criar: Ronaldinho, que começava a ser provavelmente o maior jogador da década; Rivaldo, com futebol de superestrela e marketing pessoal de perna-de-pau e, claro, Ronaldo – protagonista daquela que talvez tenha sido a grande história de redenção da história do futebol .
O trio de “Rs” e também o outro diferencial do Brasil: a tal “Família Scolari”. Por mais que tenha virado clichê, exagero ou motivo de piada, o inegável é que Felipão conseguiu juntar aquele grupo de modo que todos estivessem satisfeitos e dispostos a fazer qualquer coisa pelo pentacampeonato.
Brilhante talvez não tenha sido, mas não foi feio e foi, sem dúvida, convincente. O Brasil venceu suas sete partidas e encerrou sua participação de um jeito que faz esquecer quaisquer três zagueiros ou eliminatórias duvidosas: no primeiro encontro com a Alemanha na história das Copas, marcou 2 a 0, viu Ronaldo se tornar artilheiro da Copa e definitivamente herói nacional. E o país, com mais sobras do que nunca, era o maior vencedor de Mundiais. Quem é que ia reclamar?
A Campanha do Brasil
Primeira fase
03/06/2002 BRASIL Brasil 2 X 1 Turquia (BRA: Ronaldo 5"/2°, Rivaldo 42"/2°; TUR: Hasan Sas 47"/1°) - Ulsan
08/06/2002 BRASIL 4 X 0 China (BRA: Roberto Carlos 15"/1°, Rivaldo 32"/1°, Ronaldinho 45"/1°, Ronaldo 10"/2°) -
Jeonju
13/06/2002 BRASIL 5 X 2 Costa Rica (BRA: Ronaldo 10" e 13"/1°, Edmilson 38"/1°, Rivaldo 17"/2°, Junior 19"/2°; COS: Paulo Wanchope 39"/1°, Ronald Gomez 11"/2°) - Suwon
Oitavas-de-final
17/06/2002 BRASIL 2 X 0 Bélgica (BRA: Rivaldo 22"/2°, Ronaldo 42"/2°) - Kobe
Quartas-de-final
21/06/2002 BRASIL 2 X 1 Inglaterra (BRA: Rivaldo 45"/1°, Ronaldinho 5"/2°; ING: Owen 23"/1°) - Shizuoka
Semifinal
26/06/2002 BRASIL 1 X 0 Turquia (BRA: Ronaldo 4"/2°) - Saitama
A Final
30/06/2002 BRASIL 2 X 0 Alemanha (BRA: Ronaldo 22" e 34"/2°) - Yokohama
BRASIL
Marcos, Lucio, Roque Junior, Edmilson; Cafu (C), Gilberto Silva, Kleberson, Ronaldinho (Juninho Paulista) e Roberto Carlos, Ronaldo (Denílson) e Rivaldo. Técnico: Luiz Felipe Scolari
Alemanha
Kahn (C), Frings, Linke, Metzelder, Bode (Ziege), Schneider, Ramelow, Hamann, Jeremies (Asamoah), Neuville e Klose (Bierhoff). Técnico: Rudi Voeller
Fonte: IG
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