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sábado, janeiro 29, 2011

Sem pedir licença: o novo MinC e os movimentos de cultura digital

Sugestão do vocalista do Nenhum de Nós, Thedy Corrêa pelo twitter.

A decisão do Ministério da Cultura (MinC) de retirar a licença Creative Commons (CC) que regulava a reprodução não-comercial de conteúdo de seu site tem provocado nos últimos dias um amplo (e por vezes ríspido) debate, com manifestações que vão desde críticas duras à recém-empossada ministra Ana de Hollanda a defesas entusiasmadas de sua atitude. A grande repercussão em torno de um gesto aparentemente pequeno — na semana passada a licença CC foi substituída no site do MinC pelo texto “Licença de uso: o conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte” — sinaliza um possível afastamento entre a nova administração do MinC e os movimentos de cultura digital, que tiveram participação ativa nas gestões de Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2010), e sugere o tamanho da polêmica que está por vir naquele que promete ser um dos pontos mais delicados para a ministra: a discussão sobre o projeto da nova Lei do Direito Autoral. Nesta edição do Prosa & Verso, artistas, pesquisadores e militantes da cultura digital discutem a decisão do MinC e avaliam os rumos do debate sobre a modernização do direito autoral no país.

A adesão do Ministério da Cultura à licença Creative Commons, usada desde 2004 no site , foi, mais do que uma opção de compartilhamento de conteúdo, uma declaração simbólica de compromisso do então ministro Gilberto Gil com a necessidade de “debater a modernização do sistema legal” e repensar “uma política nacional para os direitos autorais”, como ele escreveu em artigo publicado no GLOBO em 2007. Depois do MinC, outras áreas do governo federal adotaram as licenças CC, como o Ministério da Justiça, que as usa em sites de consultas públicas (no caso do anteprojeto de lei sobre a proteção de dados pessoais, por exemplo), e a Presidência, que mantém desde 2009 o Blog do Planalto ().

Ainda em dezembro, antes mesmo da posse de Ana de Hollanda, grupos ligados à cultura digital divulgaram uma carta aberta à nova ministra, com mais de mil assinaturas, afirmando que “os últimos anos viram um avanço significativo na assimilação por parte do Ministério da Cultura da importância da cultura digital” e pedindo continuidade às políticas da administração anterior. Ana era vista por esse setor como alguém que tinha ligações com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e suas primeiras declarações no cargo, defendendo a necessidade de rever o projeto de reforma da Lei do Direito Autoral elaborado durante o governo Lula, foram mal recebidas. O veto à licença CC, justificado pelo MinC com uma nota oficial que diz que “a legislação brasileira permite a liberação de conteúdo” e “não há necessidade de o ministério dar destaque a uma iniciativa específica”, foi interpretado por ativistas da cultura digital como uma ruptura, também simbólica, com o compromisso assumido por Gil, diz o sociólogo e doutor em Ciência Política pela USP Sergio Amadeu, militante do software livre:

— Gilberto Gil, em aliança com várias áreas do governo Lula, encampou a ideia de compartilhamento de bens culturais num cenário em que a cultura digital é uma prática cotidiana, com o objetivo de beneficiar a diversidade cultural. A decisão do MinC foi um ato simbólico, que alinha a nova ministra ao que há de mais conservador na cultura brasileira — avalia Amadeu, que critica o fato de o MinC ter sido o único órgão do governo a tomar essa atitude. — Recentemente, a nova ministra do Planejamento, Miriam Belquior, consolidou o software livre como aquele que deve ser usado pelo governo. O Blog do Planalto continua usando a Creative Commons. O MinC está destoando de todo o governo.

Ministra diz defender avanços da cultura digital

Procurada pelo GLOBO, a ministra Ana de Hollanda, através de sua assessoria, voltou a minimizar as críticas e reafirmou seu comprometimento com a cultura digital:

— O MinC só retirou o selo das Creative Commons do site, mas não o licenciamento, até porque o ministério não tem o direito de impor ou eleger a melhor licença. Essa é uma decisão do autor. O nosso compromisso é com a liberdade do conhecimento, não com uma licença específica. Queremos continuar com os avanços obtidos pela política de cultura digital, com diálogo aberto com o setor e com respeito aos autores — diz a ministra.

A retirada do selo é aplaudida pelo letrista e poeta Abel Silva, um dos diretores da União Brasileira dos Compositores (UBC):

— Por que esta ONG deveria ter o privilégio de se aninhar ali? Ela representa interesses e ideologias que devem buscar seu próprio espaço.

O compositor, arranjador, produtor e pianista Antonio Adolfo bate na mesma tecla:

— Ela está certíssima em ter feito isso. A Creative Commons está sendo o instrumento usado para fazer o aniquilamento do criador. Sou totalmente contra ela, que é patrocinada pelos grandes grupos da internet.

O advogado Sergio Branco, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS-FGV), a instituição que dirige no Brasil o projeto Creative Commons, lembra que a licença é um forma de regular os direitos autorais, não de atacá-los:

— A Creative Commons é uma afirmação dos direitos autorais, porque através de suas licenças o autor pode escolher como quer compartilhar sua obra — explica.

Apesar das promessas da ministra de manter o diálogo com a cultura digital, Branco informa que sua instituição não foi procurada pelo MinC para debater a retirada da licença do site do ministério. Para ele, a nova licença adotada pelo MinC é vaga e a retirada do selo do site deixa em aberto a situação do conteúdo anteriormente licenciado sob CC. O advogado teme que a forma como Ana conduziu a questão da licença seja um sinal de que o MinC terá uma postura mais conservadora em relação à reforma da Lei do Direito Autoral.

— A presidente Dilma Rousseff foi eleita com uma plataforma de continuidade, mas no MinC existe uma ruptura clara com o governo anterior. É natural que a nova ministra queira rever pontos do projeto, mas ao dizer que é preciso debater mais ela ignora que o projeto é fruto de sete anos de debate. Houve uma série de encontros com representantes da sociedade civil, com pesquisadores e artistas, mas ela fala como se não houvesse esse histórico e a conversa começasse agora — diz.

Mas Abel Silva acha que a ministra caminha no compasso certo:

— Os primeiros passos de Ana de Hollanda no MinC não são de uma neófita no assunto. Trata-se de uma antiga militante do direito autoral consciente e honesta que, com cautela e lucidez, vai imprimindo seu ritmo e sua personalidade.

O músico Aldir Blanc também vê avanços na posição de Ana:

— A nova ministra está sendo atacada por motivos torpes. Não há retrocesso algum em querer pagar com justiça o direito autoral dos criadores que estão sendo roubados por essas falsas “janelas para o futuro”. A frase maldosa “Ela está do lado do Ecad” é estúpida. Ela está do lado dos que estão sendo diariamente lesados por grupos poderosos.

Aldir aponta outro lado do debate:

— Ouço muito falatório dos visionários em causa própria, mas quase não vejo preocupação com o drama humano por trás dessa polêmica. O desmoronamento do sistema de direito autoral vem aumentando como avalanche há anos. Fala-se muito na “liberdade” de usar, e abusar, o que é dos outros, mas ninguém pergunta o que isso causa nas vidas concretas de Zorba Devagar, Casquinha, Nelson Sargento, Zé Luís do Império e milhares de outras pessoas que passarão necessidade e não verão o pretenso futuro chegar.

Um futuro que o músico André Abujamra já antecipava há tempos, desde o Napster.

— Não adianta querer brigar com algo que não tem volta. Não adianta achar que tecnologicamente alguém vai impedir outra pessoa de escutar ou ver o que quiser no mundo.

Abujamra vende seus CDs nos shows, mas disponibiliza as músicas de graça na internet.

— Cobro o disco bem caro. É como se fosse uma lembrança, uma camisa, uma canequinha. E vem com minha assinatura. Tem quem fale: “Tá caro demais.” Respondo: “Então baixe de graça na internet.” Eu disponibilizo porque de qualquer forma alguém vai ter acesso. Se uma pessoa compra meu disco, no dia seguinte já está de graça na internet. Não adianta eu brigar com algo que não é brigável. É uma luta vã — diz Abujamra, que ressalta ser a favor do pagamento de direitos autorais. — Tem que se pagar, sim, mas é preciso que se descubra um jeito de fazer isso.

O músico Antonio Adolfo até pôs uma faixa sua para download gratuito — “Minor chord” —, mas é mais reticente.

— Todo mundo quer baixar de graça. As pessoas estão sendo educadas para isso. Essa cultura livre entre aspas é papo para boi dormir. Está uma bandalha total com esses sites de compartilhamento de arquivos. Sou vítima desses sites. Há muito mais de quatro mil downloads de gravações minhas não pagas — diz ele, que aproveita para comentar um episódio relativo à obra do ex-ministro da Cultura. — Uma vez quis fazer o download de uma música do Gil para pôr no Ipod e tive que pagar para a gravadora Warner.

Projeto da nova lei prevê maior fiscalização ao Ecad

Essas e outras questões ressurgirão com frequência ao longo dos debates sobre a nova Lei do Direito Autoral. Considerado um avanço pelo setor da cultura digital, o projeto não tocava em pontos importantes como o compartilhamento de arquivos, por exemplo. Em declaração ao GLOBO, a ministra Ana de Hollanda justifica a revisão dizendo que “sempre que há mudanças de governo a Casa Civil devolve os processos em tramitação para análise dos ministérios”:

— Recebemos o anteprojeto, vamos analisar e ampliar a discussão, pois entendemos que o debate não se esgotou. Qualquer posição que o MinC tomar vai ser fruto de um amplo diálogo, em que todos serão ouvidos — diz a ministra.

O advogado Sergio Branco, do CTS-FGV, espera que sejam preservados itens-chave do anteprojeto, como a maior fiscalização ao Ecad — uma questão que estaria no centro das disputas envolvendo a nova administração do MinC:

— O anteprojeto da Lei de Direito Autoral prevê uma maior fiscalização do Ecad pelo Estado. De acordo com o projeto original, no início essa fiscalização ficaria a cargo do MinC e depois haveria uma transição para a criação de uma autarquia. Isso não significa estatizar o direito autoral, significa acabar com a falta de fiscalização nesse monopólio legal que o Ecad exerce. Fonte

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